Uma Montanha Russa: visual, looping e furo

Fernanda Costa[1]

O cartaz da 27ª Jornada da EBP-MG tem como imagem o detalhe do circuito de uma Montanha Russa. Ele nos remete a um aspecto estrutural das neuroses que se mantêm ainda nos dias de hoje: seus loopings. Laia (2024) em um dos “Textos de Orientação”, enfatiza como, atualmente, somos procurados pelos candidatos à analise menos por uma suposição de saber e mais “pelo incômodo diante do que lhe fixam em certos trajetos e satisfações dos quais não conseguem liberar-se” (p.6). Ou seja, não se trata de um endereçamento a partir do envelope simbólico do sintoma, que comporta um dizer. É, antes, uma demanda provocada pelos circuitos pulsionais, silenciosos e repetitivos.

Para Lacan (1998), o real, não pode ser dito e se caracteriza pelo que não cessa de não se escrever (p. 11). Miller (2014) considera que, diante desse impossível localizado pelo simbólico, Lacan, no seu ultimíssimo ensino, aposta em uma tentativa de imaginar o real. Busca assim, “um novo visual”: o “toro ou a câmera de ar” (p. 255- tradução livre).

 

Gontijo (2024), no “Argumento” da 27ª  Jornada comenta que Lacan se vale do furo interno do toro para caracterizar o “andar em círculos” da neurose : “Lacan nos convida a localizar o que chamaríamos de looping neurótico … muitas vezes como um modo de se defender do real e não ultrapassar a hiância entre real e o imaginário”.

 

Mas por que abordar a neurose a partir do toro? Um dos aspectos que nos interessa é que o toro apresenta um visual que não se reduz a uma imagem. Tanto que, em topologia, podemos equivaler uma xícara a uma câmera de ar. Ambas têm a mesma estrutura:

 

Logo, quando Lacan se dirige ao real pela via do imaginário, não se vale de uma imagem por sua forma (como, por exemplo, é o caso da antecipação jubilatória da unidade corporal no estágio do espelho). Ele privilegia a consistência estruturada em torno de um furo (o que também permite um enfoque diferente quanto ao corpo e seu gozo, priorizando o que é opaco e não pode ser especularizado).

Qual orientação poderíamos extrair dessa abordagem do toro e a ênfase que ele parece conferir ao furo?  Se o neurótico não pode sair do looping de sua própria neurose, não seria a partir deste circuito de satisfação pulsional que, através da análise, localizaríamos um real e enfrentaríamos sua hiância quanto ao imaginário? Mas como o analista produziria esse efeito? Ou, como propõe Micherif (2024), no que concerne “às neuroses, uma análise, ao franquear outro modo de satisfação com o sintoma, permitir-nos-ia sair dessa inibição [de imaginar o real]”? Isso significaria que os neuróticos poderiam deixar de dar voltas em torno de um furo, sairiam dos loopings? Ou será que encontrariam nesse circuito uma outra forma de satisfação?

Essas perguntas me surgiram a partir do impacto de ver pela primeira vez aquele cartaz. Ao observá-lo sob o efeito da apresentação do Argumento e Eixos da Atividade Preparatória, ficou explicito não apenas os loopings de uma Montanha Russa, mas que estes desenham um abismo. Ou seja, o trajeto fixado pelo emaranhado dos trilhos, com suas voltas, altos e baixos fazem aparecer o furo, o buraco, o abismo. Não poderia ter um visual mais instigante para essa Jornada!

Referências Bibliográficas

Gontijo, M. J. “Argumento” (2024) Em: www.jornadaebpmg.com.br/2024/argumento/

Lacan, J. “Rumo ao significante novo”. Em : Opção Lacaniana no.22  (1998), p. 6-15.

Laia, S. “A escolha da neurose e a escolha de uma análise” (2024) Em:www.jornadaebpmg.com.br/2024/a-escolha-da-neurose-e-a-escolha-de-uma-analise/

Micherif, B. “Eixos” (2024) Em: www.jornadaebpmg.com.br/2024/eixos-de-trabalho/

Miller, J-A “Lo visual”. Em: El ‘ultimíssimo’ Lacan, Buenos Aires: Paidós, 2014, p247-260.

Notas

[1] Psicanalista, membro da EBP/ AMP