O quarto de dormir e o “não há relação sexual”

Graciela Bessa[1]

No relatório sobre o Eixo 1: onde estão os neuróticos e de onde eles não saem, Ana Lydia Santiago conclui, com Lacan, considerando o quarto de dormir como um visual nas neuroses para captar o real da inexistência da relação sexual, da impossibilidade em encontrar uma proporção entre os sexos e, por essa razão, tudo que acontece com o neurótico se dá fora do quarto de dormir. Então, Lacan pergunta: “o que há nos quartos de dormir? uma vez que não há ato sexual” e, por esse motivo, “tudo que se passa de neurótico se passa essencialmente” fora desse quarto, por exemplo, no “banheiro”[2]. Essa proposta, ao assinalar como os neuróticos tomam distância do que se passa no quarto de dormir uma vez que na neurose opera o “não há relação sexual”, faz consonância com a nova definição da neurose do Seminário 25: Momento de concluir: “Não há nada mais difícil que imaginar o real (…) seguramente devido a isso que temos a inibição. É a hiância entre o Imaginário e o Real que constitui nossa inibição”[3].

“Não há relação sexual”, mas há sintoma, tomado sob a perspectiva do gozo. Com o sintoma, o neurótico faz sua parceria de gozo. Na teoria freudiana o sintoma é uma satisfação substitutiva, um Ersatz de satisfação. Embora Freud empregue a palavra Ersatz, não o faz com o sentido de que essa satisfação substitutiva teria um valor menor que a original. Não importa o envoltório formal do sintoma, a satisfação, o gozo é sempre o mesmo, “o gozo é o gozo, a pulsão não conhece o ‘semblante de gozar’. A satisfação pulsional é um real”[4].

Na Conferência XVII, Freud analisa o caso de uma jovem de 19 anos cujos sintomas obsessivos consistem em rituais que devem ser cumpridos antes de dormir. Por exemplo, para dormir necessitava de silêncio e devia abolir qualquer fonte de ruído, exigia que a porta entre seu quarto e o quarto de seus pais ficasse entreaberta, desse modo colocava inúmeros objetos no vão da porta que se tornavam fontes de ruídos perturbadores; também devia colocar os travesseiros em determinada posição etc. Com a execução desses rituais, ela atormentava seus pais, pois tudo tinha de ser verificado e repetido, de modo que isso durava muitas horas. Todo esse cerimonial inventado por ela “é a colocação em cena da não relação sexual, sustentada pelo vínculo libidinal com o pai”[5]. Portanto, considero que esse fragmento clínico extraído de Freud nos permite retomar a formulação lacaniana de que no quarto de dormir o ato sexual está foracluído e, assim, o sintoma serve de substituto de uma satisfação que não ocorreu.

[1] Psicanalista, membro EBP AMP

[2] LACAN, J. Le séminaire. Livre XIV: la logique du fantasme. Texte établi par Jacques-Alain Miller. Paris: Seuil et Champ Freudien, 2023, p. 423 (texto proferido originalmente em 1966-1967).

[3] Lacan, j. Momento de Concluir. Lição 09 de maio de 1978. Inédito

[4] Miller, J.-A. Seminário sobre las vías de formación de los sintomas. In: Introducción a la clínica lacaniana. Conferências en España. Barcelona: RBA Libros S.A. 2006, p. 474

[5] [5] Miller, J.-A. Seminário sobre las vías de formación de los sintomas. In: Introducción a la clínica lacaniana. Conferências en España. Barcelona: RBA Libros S.A. 2006, p. 466