Conclusão (fotos)
Momento de concluir os Seminários preparatórios
Imagens dos seminários: Cecília Batista – fotografia analógica.
ÚLTIMO SEMINÁRIO PREPARATÓRIO: Transposição ou Unterdrückung (supressão) da inibição?
Seminário preparatório
24.10.2024
CONCLUSÃO
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Totem e tabu não é mais um mito que nos permite ler o que acontece nos dias de hoje nas relações entre o falasser e o gozo. Essa relação cada vez mais escapa de uma submissão à lei, que é consequência do pacto firmado entre os filhos após o assassinato do Pai, e que estabelece a permanência do lugar paterno como vazio. Em Totem e tabu verificamos que num só tempo há uma renúncia ao gozo, “todos castrados”, e um consentimento de que o desejo sexual seja regulado pela lei. Sob essa lógica, a lei opera pela via da interdição, mas também franqueia o acesso ao gozo, aquele que ela estabelece como “normal”.
Como nos mostra o relatório referente ao Eixo 3 da 27a Jornada da EBP-MG, redigido por Simone Souto, a norma, com o declínio da função paterna, ao se apresentar ao modo da lei simbólica, altera a relação do falasser com o gozo: se, antes, imperava o universal “todos castrados”, com a norma se tem o imperativo “todos têm direito ao gozo”. a norma toma a voz do imperativo do supereu – Goza!. “Todos devem gozar” e, como o gozo que se obtém nunca é o gozo esperado, o falasser fica preso a essa repetição de gozo que não cessa de se escrever.
- O gozo é o limite
Em “O aturdito”,[1] Lacan observa que o supereu empurra o sujeito a um gozo para além do falo, fazendo-o girar em torno da aspiração por um gozo absoluto, imperativo. Esse imperativo sempre fracassa, pois, para o falasser, o gozo é aparelhado na linguagem e, o que subjaz sob esse imperativo é o impossível da relação sexual. Por essa razão, o supereu é correlato da castração. A castração se efetiva não mais pela via da lei paterna, mas pela hiância aberta entre o gozo que se obtém e o gozo que se espera. O gozo que se obtém está submetido a um limite, porque o furo da não relação sexual está estabelecido para o neurótico, embora ele nada queira saber sobre isso.
Sabemos da importância que Freud concede ao pai na relação do sujeito com o gozo. Em O avesso da psicanálise, Lacan ressalta que Freud, em um determinado momento, elege o complexo de Édipo em detrimento da escuta de suas analisantes histéricas, que podiam levá-lo bem mais longe, para além do complexo de Édipo, como Miller nomeia o conjunto de capítulos que apresenta essa observação lacaniana.[2] O curioso é que, em 1905,[3] encontramos uma passagem em Freud que de algum modo aproxima essa discussão sobre a castração não estar vinculada ao pai, mas a um processo interno. Ao discutir as inibições sexuais, observa que, no período de latência se constroem as forças psíquicas que vão funcionar como barreiras para restringir o curso da pulsão sexual no caminho de sua satisfação. O que chama a atenção é que Freud não atribui apenas à educação a responsabilidade da construção dessas barreiras, pois isso “pode ocasionalmente ocorrer sem qualquer auxílio da educação”.[4] Para ele, a construção dessas barreiras é organicamente determinada e fixada pela hereditariedade. Embora não saibamos a que exatamente ele está se referindo com as palavras “organicamente” e “hereditariedade”, podemos interpretar essa passagem como a indicação de que o impedimento de uma pulsão se satisfazer livremente não está condicionado nem a um agente externo, nem a uma ameaça externa. Ou seja, há algo no próprio funcionamento psíquico que impulsiona a construção de barreiras e detém o fluxo pulsional em direção à satisfação. Logo, há uma perda da satisfação pulsional que não se vincula à clássica e hoje tão questionada interdição paterna.
Atualmente, como também nos mostrou Simone Souto no relatório já citado, sob a norma inclusiva do gozo, os neuróticos estão cada vez mais enredados em seus loopings de gozo e culpados por não gozarem como deveriam, esperando que, a cada volta, possam alcançar o gozo que conviria à relação sexual, caso ela existisse. A experiência analítica que se orientava pela primazia do simbólico já não é suficiente para lidar com esses sujeitos enredados na prevalência do gozo, pois o simbólico fracassa no acesso ao real. O real não fala, e, portanto, não é possível simbolizá-lo; trata-se, então, de acedê-lo pela imagem – como nos diz Miller: um novo visual para imaginar o real. É justamente o que Lacan propõe em seu ultimíssimo ensino: o imaginário como a via pela qual se pode vislumbrar o real.
Quando é o próprio gozo que engendra a castração, estabelecendo um limite, mesmo que o sujeito se recuse em consentir com o furo da não relação sexual e com a inexistência do gozo absoluto, como podemos, então, reconhecer o funcionamento neurótico, se não é mais o recalque que está no cerne da defesa frente à exigência pulsional?
Encontramos em cada relatório apresentado nos Seminários Preparatórios elementos para elaborarmos uma resposta para essa questão, além de um trabalho clínico exaustivo sobre essa temática. Não será meu objetivo retomar o caminho já percorrido, mas me servir dele para relançar uma ou, talvez, algumas questões que possam continuar nos inquietando até 27ª Jornada da EBP-MG.
No Seminário O sinthoma,[5] Lacan nos apresenta um outro modo de abordar a subjetividade do falasser. Não há mais a primazia entre os registros Simbólico, Imaginário e Real e sim uma relação de equivalência. Importa saber a relação que cada um tem com o outro e como eles se enodam. Pensar a clínica a partir do enodamento entre R, S e I, as falhas que acontecem nessa amarração e as reparações possíveis para mantê-los juntos a partir do acréscimo da quarta rodinha de barbante, o sinthoma, independente da estrutura clínica em jogo, é sair da lógica do gozo como resto de uma operação simbólica para tomá-lo como acontecimento de corpo, e tomar a constituição do sinthoma como iteração do gozo advindo do impacto do significante, S1 sozinho, no corpo. No sinthoma, há iteração do S1 sozinho, ou seja, ele não é definido como o retorno do recalcado.
Maria José Gontijo apresenta a importância do tema da 27ª Jornada, …e as neuroses continuam existindo, “em um mundo cada vez mais tomado pelas psicoses”,[6] lançando o desafio de cingirmos os referentes teórico-clínicos que nos orientem na diferenciação entre neurose e psicose e qual seria o estatuto da interpretação analítica.
- O fantasma, o objeto a e a inibição
No ultimíssimo ensino de Lacan, localizado por Miller nos Seminários 24 e 25, encontramos uma nova definição da neurose, sem recorrer ao Nome-do-Pai ou ao falo. Na lição “O real não fala”,[7] Miller retoma o esquema, apresentado no capítulo VIII do Seminário 20, que define os lugares de R, S e I a partir de três vetores orientados no sentido horário. Nesse esquema, também trabalhado no relatório do Eixo 1 redigido por Ana Lydia Santiago, o imaginário se dirige ao simbólico, I→S, e nessa imaginarização do simbólico se situa o fantasma; o simbólico se dirige ao real, S→R, e nesse caminho Lacan situa o objeto a. No referido capítulo, Lacan faz o movimento de estabelecer uma disjunção entre o real e o simbólico. Ao acrescentar o semblante no caminho do simbólico para o real, ele indica a inadequação do objeto a na abordagem do real, porque diz respeito ao efeito de sentido: “o simbólico, ao se dirigir para o real, nos demonstra a verdadeira natureza do objeto a”,[8] sua natureza de semblante de ser. E, por fim, o real se dirige para o imaginário, R→I, é a imaginarização do real. No Seminário 25, Lacan situa a inibição nesse vetor.
Frente à hiância que se apresenta, na neurose, entre imaginário e real, há uma dificuldade em se utilizar uma imagem para se ter uma ideia do real. Essa dificuldade é da ordem de uma inibição. Lacan, portanto, situa a inibição como uma defesa que impede o neurótico de imaginar o real.
- A inibição de Freud a Lacan
Em Freud, a inibição se refere a uma detenção do movimento, é o impedimento do exercício de uma função para evitar o desencadeamento da angústia. Ela consiste numa solução mais eficiente para a angústia, podendo, em alguns casos, evitar um conflito com o Isso. Freud apresenta, como exemplos, a inibição em tocar piano, ou escrever, ou andar, e “isso ocorre porque os órgãos físicos postos em ação – os dedos ou as pernas – se tornam erotizados de forma muito acentuada”.[9] Também existem inibições que servem à autopunição, em que o eu inibe a realização de atividades no campo profissional que trariam lucro e sucesso. Essas inibições evitam um conflito com o supereu.
Há estados de depressão que podem decorrer de uma inibição generalizada, quando o eu tem que lidar com uma tarefa psíquica particularmente difícil. Como exemplo, um neurótico obsessivo que era dominado por uma fadiga paralisante, que durava um ou mais dias, sempre que acontecia algo que evidentemente deveria tê-lo enfurecido.
Lacan se serve das elaborações freudianas em “Inibição, Sintoma e Angústia” em dois momentos de seu ensino. Um deles se encontra no Seminário A angústia,[10] em que ele dispõe essa tríade freudiana em três planos, orientados pelos vetores da dificuldade e do movimento. A inibição ocupa o lugar em que há zero dificuldade e zero movimento. Diametralmente oposto a ela se encontra a angústia, sinalizando que seu lugar está determinado pelo alto grau de dificuldade e de movimento.
Outro momento é no Seminário RSI, logo nas primeiras lições, em que Lacan articula inibição, sintoma e angústia com os registros real, simbólico e imaginário, respectivamente:
[…] no que diz respeito à Angústia, Inibição, Sintoma, que distribuí em três planos
Inibição
Sintoma
Angústia
para poder, justamente, demonstrar, o que é sensível, desde aquela época, a saber, que esses três termos, Inibição, Sintoma e Angústia são heterogêneos entre si como os meus termos Real, Simbólico e Imaginário. (tradução nossa)[11]
No Seminário RSI, Lacan procura demonstrar que o nó borromeano, ou seja, a amarração entre os três registros, é o que constitui a subjetividade, a estrutura do ser falante, sem se valer do mito do Édipo, embora, em algumas passagens, tente articular o mito edipiano com os registros. Seu interesse pelo modo como Freud aborda a constituição do funcionamento psíquico em torno da inibição, do sintoma e da angústia se dá por reconhecer que, no texto em que esses termos aparecem no título, Freud pensa a estrutura neurótica sem colocar o mito de Édipo como central. Para Freud, a angústia é o elemento central das neuroses, e a inibição, por sua capacidade de antecipar-se ao seu surgimento, detendo o movimento, revela-se como a defesa mais eficiente contra ela. O sintoma, por sua vez, é uma resposta ao desencadeamento da angústia.
O primeiro ponto a ser destacado quanto à inibição é o fato de que ela própria resolve o que não pode ser satisfeito no corpo, ou seja, a satisfação é posta fora de ação pela detenção do movimento. Já o sintoma, enquanto retorno do recalcado, é definido como “um sinal e um substituto de uma satisfação pulsional que permaneceu em estado jacente”,[12] e demonstra que a defesa do recalque falha. A presença do sintoma no eu é sempre a de um corpo estranho, de algo que não lhe pertence.
Quando Lacan, em seu ultimíssimo ensino, define a neurose a partir da inibição – inibição em produzir um visual sobre o real, porque entre o real e o imaginário não existe continuidade, e sim hiância –, ele segue a orientação freudiana de que na inibição há uma eficácia, pois há uma detenção do movimento. Isso vai na mesma direção da seguinte afirmação de Miller: “é certo que o que ele chama angústia é o que conota a passagem da realidade ao real, a travessia da realidade no sentido do real e que, com isso, é correlativa de uma falha do significante”.[13] O que estanca esse movimento, o que o detém, com a finalidade em evitar a angústia, é a inibição. A inibição, portanto, é uma defesa frente ao real.
- Transposição ou Unterdrückung (supressão) da inibição?
Sabemos que, na neurose, a hiância entre I e R não se desfaz. E quanto à inibição? É possível transpô-la? Transpor a inibição comporta consentir com o “não há relação sexual”? Ou o que acontece não seria da ordem de uma transposição, e sim de uma supressão, da Unterdrückung, tal como sugere Lacan em relação ao tropeço de memória de Freud, o esquecimento da palavra Signorelli? No caso, a “palavra Signor, Herr, passa por baixo – o senhor absoluto, a morte, para dizer tudo, desaparece ali”.[14] Isso quer dizer que o Signor é mantido no circuito sem poder entrar nele por algum tempo. Podemos pensar que a inibição pode ser suprimida, mas ela se mantém, sem interferir no processo em que se produz um visual para aceder o real? A inibição fica fora do circuito apenas por um tempo?
Durante a discussão do primeiro relatório, Jésus Santiago perguntou se o sonho poderia ser um visual proposto pelo imaginário para se ter uma ideia do real. No relatório do Eixo 3, Simone Souto propõe o sonho como uma via para apresentar esse visual, porque apresenta uma imagem “para enfrentar o silêncio do real”.[15] Traz como exemplo o sonho de Freud da Injeção de Irma.
Ao analisar seu sonho, Freud aponta para o momento em que surge uma imagem aterradora e angustiante, que é a imagem do fundo da garganta de Irma. Lacan reconhece nessa imagem a revelação do real. Freud não desperta e seu sonho vai mais adiante, conduzindo-o a uma outra imagem, que é a fórmula da trimetilamina. Nesse sonho, surge um visual para se aceder ao real, de dois modos diferentes. Num primeiro momento, só a imagem aterradora; como Freud vai além e não acorda, para continuar sonhando, chega a uma segunda imagem, a fórmula da trimetilamina, que não conduz ao sentido, mas a uma sequência de letras, que Lacan aborda como sendo o real cifrado em letras. O percurso desse sonho poderia ser reduzido do seguinte modo: da imagem aterradora – um visual do real – que causa angústia, à imagem de um real cifrado em letras. É possível dizer que a fórmula da trimetilamina, esse segundo visual, foi a solução encontrada por Freud ao horror ao feminino? Embora em suas elaborações o enigma do feminino persista com a questão O que quer uma mulher?, ele não alcança teoricamente o triunfo alcançado em seu sonho: o feminino fora do sentido.
Se, nesse sonho, uma imagem se produz capaz de revelar o real que não fala, o que aconteceu com a inibição? Ela foi suprimida por um tempo, permitindo que esse visual que revela o real passasse por baixo?
Eu lanço a hipótese de que, ao menos nos sonhos, quando eles produzem um visual que acessa o real, a Unterdrückung, a supressão da inibição, é sempre contingente. A inibição em imaginar o real, nesses casos, não é abolida. A inibição sofre a ação da Unterdrückung. Esse visual que surge no sonho não significa necessariamente que o sonhador vislumbre o furo da não relação sexual e extraia disso todas as consequências. Produzir, conforme indica o relatório do Eixo 3 escrito por Simone Souto, uma outra “fixão do real” só é possível através da experiência analítica, em que o analista interpreta com o corte de sentido, fazendo surgir uma significação vazia.
Trago um sonho extraído do testemunho de passe de Jésus Santiago, no qual é possível extrair um visual do real a partir do equívoco homofônico entre duas línguas diferentes. O sonho é o seguinte:
Estou numa comemoração na Escola, aproximo-me de um de meus colegas que participava do grupo de discussão sobre o tema de um relatório e digo-lhe que encontrei a fórmula para a solução do problema do masculino. Convido-o para ir até a biblioteca e, no instante de mostrar-lhe minha descoberta, vejo folhas em branco, onde está escrito apenas o título: “fórmula Q”. Fico desapontado: onde teria escrito a solução, deparo-me com o vazio.[16]
Ao relatar esse sonho na língua francesa, o que fica é a fonação “formule cul”. Essa palavra, cuja significação é vazia, é uma imagem que captura o gozo traumático do sujeito. Embora não seja um sonho de final de análise, é a demonstração de que o final já estava em perspectiva.
Até o momento, arrisco dizer que, através dos sonhos, é possível suprimir a inibição de se imaginar o real e, com isso, produzir uma imagem que dê certa ideia do real. Nos sonhos, isso acontece de modo contingente, o real cessa de não se escrever, ao menos naquele momento. Outra via para que se possa aceder ao real pelo imaginário é a experiência analítica orientada pela interpretação como corte, que esvazia o sentido, cuja visada é o gozo do sinthoma.
O que acontece com a inibição que se aloja na hiância entre imaginário e real, dificultando ao neurótico imaginar o real numa experiência analítica? Haveria outra possibilidade, para o neurótico, de aceder ao real pela via de um novo visual, apesar da inibição? A esfoliação do imaginário, que acarreta a redução do fantasma, é capaz de vencer a inibição e permitir ao neurótico aceder ao real pela via da imagem? Foram essas questões que me surgiram ao ler o relatório do Eixo 2, escrito por Lilany Pacheco. Esse relatório formula a seguinte hipótese, partindo do lugar de primazia do corpo no ultimíssimo Lacan:
esfoliar o imaginário implica, em última instância, operar com os cortes no que retornam como algo tangenciável como gozo do corpo, de tal maneira que o falasser encontre um modo de se virar com o impasse do corpo como Outro. Com a lógica de borracha, dócil aos cortes, a relação com o fantasma se torna um vetor para imaginar o real, e não mais a tela de proteção.[17]
Lacan, ao formular que o fantasma não é apenas tela para o real, mas também funciona como janela para o real, propõe duas funções para ele. Uma delas seria a de proteção, de anteparo, mantendo o falasser a uma boa distância do real – aqui a inibição em imaginar o real se apresenta. A outra, como janela para o real, seria de abertura ao real. O fantasma, nessa função de janela para o real, seria ele próprio um visual do real?
Por um bom tempo, as análises eram conduzidas para a construção do fantasma reduzindo-o a uma frase axiomática, tal como “Bate-se numa criança”. A travessia do fantasma, ou seja, sua redução a uma frase axiomática, possibilitar-nos-ia ter acesso ao real. Lacan, no entanto, observou que sempre há restos que não foram modificados pela travessia do fantasma. São esses restos que iteram no sinthoma.
Sérgio de Mattos, em seu texto “O que se passa no que não anda na neurose”, apresentado recentemente na Conferência dos Analistas da Escola, nos dá uma orientação do que acontece quando, ao esfoliar o imaginário, reduz-se o fantasma a uma frase axiomática, permitindo ao sujeito, com isso, cingir o objeto a que está em jogo. O longo trajeto de análise e os cortes do analista permitiram-lhe uma transformação em sua relação com o fantasma fundamental como programa de gozo. Ou seja, já não estava tão submetido ao enquadre fantasmático. Foi um período da análise em que houve “o enfraquecimento da tela defensiva do fantasma e ao mesmo tempo totalmente tragado pelo gozo do apagamento”, gozo de seu sinthoma. Nesse momento, sonha estar caminhando em um deserto, quando tropeça em um toco. O trabalho analítico lhe possibilita encontrar uma solução pragmática para essa imagem do sonho em que o toco marca uma orientação: “tocar adiante”. Por outro lado, o (t)oco lhe remete ao nada que se conecta à imagem do deserto. Sem o enquadre fantasmático, ao cingir o nada através do sonho pôde desvelar a “situação de devastação que vivia como um radical apagamento”. Com isso, é levado à lembrança infantil de um acontecimento de corpo, permitindo-lhe discernir o objeto a em jogo em seu fantasma: o objeto nada. A análise continua, ultrapassa o deserto, e “transforma o nada em um lugar que situa um vazio”. Isso se verifica em um sonho em que há, entre outras coisas, “uma moldura que envolve um vazio de azul maravilhoso” e uma outra moldura que contém no seu interior uma mandíbula de osso, representando a morte; mas a vida também se faz presente alí através da imagem da trepadeira florida, que se enrosca na moldura da morte. Esse sonho produz o visual em que o nada se transforma em vazio vivificante. Com esse testemunho, observamos a passagem do fantasma como tela para o real, e, portanto, em sua função de defesa, de anteparo para o real, para o fantasma enquanto janela para o real. Essa passagem só é possível quando há esfoliação do imaginário.
É possível dizer que a redução do fantasma em uma frase axiomática – uma frase, portanto, sem sentido – é um visual, uma vez que ele se apresenta como janela para o real? Essas duas molduras que aparecem no sonho – uma que envolve um vazio de azul maravilhoso e a outra em que a mandíbula de osso, que representa a morte, se entrelaça à vida pela presença da trepadeira florida – seriam a exemplificação de que houve uma Unterdrückung da inibição e, com isso, a produção de um visual para se ter uma ideia do real que não fala?
Após esse percurso, lanço minha hipótese: da mesma forma que a hiância entre o imaginário e o real, na neurose, não se desfaz, o mesmo aconteceria com a inibição. Ou seja, não há transposição, tampouco desaparecimento da inibição em imaginar o real. Acredito que há Unterdrückung da inibição, e ao ser suprimida, uma imagem passa por baixo revelando o real através dela para o falasser.
Notas do autor:
[1] LACAN, J. O aturdito. In: Outros Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 448-500. (Trabalho original proferido em 1972).
[2] LACAN, J. O mestre castrado. In: O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Tradução de Ary Roitman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992. (Trabalho original proferido em 1969-70).
[3] FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. VII, 1969. (Trabalho original publicado em 1905).
[4] Idem, ibidem, p. 181.
[5] LACAN, J. O Seminário, livro 23: O sinthoma. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; tradução de Sérgio Laia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. (Trabalho original proferido em 1975-76).
[6] GONTIJO, M. J. Argumento. In: 27ª Jornada da EBP-MG: Argumento, eixos e citações. 2024. Disponível em: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/argumento/. Acesso em: 01 out. 2024.
[7] MILLER, J.-A. O real não fala. In: El ultimísimo Lacan. Los cursos psicoanaliticos de Jacques-Alain Miller. Tradução de Stéphane Verley. Buenos Aires: Paidós, 2013.
[8] LACAN, J. O Seminário, livro 20: Mais, ainda. Tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. (Trabalho original proferido em 1972-73).
[9] FREUD, S. Inibição, sintoma e angústia. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XX, 1996. (Trabalho original publicado em 1926). p. 110.
[10] LACAN, J. O Seminário, livro 10: A angústia. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; versão final de Angelina Harari e preparação de texto de André Telles; tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. (Trabalho original proferido em 1962-63). p. 22.
[11] LACAN, J. Le Séminaire, livre XXII: R.S.I. Leçon du 17 décembre 1974. (Trabalho original publicado em 1974-75).
[12] FREUD, 1926/1996, p. 112
[13] MILLER, J.-A. Introdução à leitura do Seminário 10 da angústia de Jacques Lacan. Opção Lacaniana: Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, n. 43, p. 7-91, mai. 2005. p. 17.
[14] LACAN, J. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1979. (Trabalho original proferido em 1964). p. 31.
[15] SOUTO, S. Quanto tudo é normal, o que se analisa? In: 27ª Jornada da EBP-MG: Textos de orientação. 2024. Disponível em: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/quando-tudo-e-normal-o-que-se-analisa-eixo-3/. Acesso em: 01 out. 2024.
[16] SANTIAGO, J. O nome, o oco e a fonação. Opção Lacaniana: Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, n. 67, p. 89-96, 2013. p. 93.
[17] PACHECO, L. A tela do fantasma e a esfoliação do Imaginário. In: 27ª Jornada da EBP-MG: Textos de orientação. 2024. Disponível em: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/a-tela-do-fantasma-e-a-esfoliacao-do-imaginario/. Acesso em: 01 out. 2024.
ÚLTIMO SEMINÁRIO PREPARATÓRIO: Para ainda (não) concluir
Seminário preparatório
24.10.2024
CONCLUSÃO
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O tema de nossa Jornada, …e as neuroses continuam existindo, leva-nos a interrogar como as neuroses se apresentam no contemporâneo. Quais desafios o sofrimento dos neuróticos expõe, quando aparentemente tudo é normal? Que invenções e arranjos criam para lidar com o mal-estar generalizado? Quais as estratégias para recobrir a inexistência da relação sexual? E, também, quais as dificuldades que se colocam aos analistas no que se refere aos impasses, na transferência, à questão do diagnóstico, à condução do tratamento, à interpretação, uma vez que as normas fálicas e edípicas se distanciam, o Nome-do-Pai encontra-se evaporado e o romance familiar não tem a mesma consistência de outrora? Enfim, como “ler” as neuroses contemporâneas? O que mudou na clínica?
O convite feito por Maria José Gontijo e Bernardo Micherif, assim como a orientação da Comissão Científica, me instigaram a retomar, neste último encontro, como os seminários anteriores conversam entre si, de modo que pudéssemos extrair pontos que ficassem como vetores do percurso realizado ao longo do ano, bem como para a Jornada que se aproxima.
Assim, proponho, à luz de algumas pontuações clínicas que foram trabalhadas, localizar como se dá a prática analítica contemporânea. O desafio lançado por Bernardo[1] em seu argumento foi o de darmos um passo a mais, tendo como bússola o conceito de sinthoma desenvolvido no Seminário 23 e adentrar nas pistas dos Seminários 24 (L’insu que sait de l’une bévue s’aile à mourre) e 25 (Le moment de conclure), ambos inéditos, nos quais Lacan recorre aos nós e aos toros, literalmente manejando-os, recorrendo pouco às palavras e privilegiando o fato de que “o Real não fala”,[2] que “o inconsciente tem a ver com o escrito”[3] e “de recorrer ao Imaginário para se ter uma ideia do Real”.[4]
Um ponto importante levantado nos relatórios foi de como, hoje, o Simbólico encontra-se “inadequado e rebaixado”.[5] Miller chega a falar de eclipse da ordem simbólica, e, com isso, contamos com o recurso do Real e do Imaginário com igual valor e peso na lógica do nó borromeano, desenvolvido no Seminário 23.
Temos o corpo enquanto imaginário, lugar onde o gozo se manifesta por excelência, através da ruminação obsessiva e dos devaneios da histérica. Tomando como referência o eixo de trabalho intitulado “Onde estão os neuróticos e de onde eles não saem”, foi possível pinçar dois breves relatos de pacientes. Um obsessivo me diz: “Parece que sofro da Síndrome de Estocolmo, aquela em que a pessoa sequestrada gosta do sequestrador… Sou fascinado pelo próximo erro que vou cometer – fascinado, é essa a palavra que melhor encontro! Sou fascinado com o que pode acontecer de ruim, estou sempre esperando o pior. É como se eu gostasse disso! Fico cortando o meu barato; se vivo algo bom, só penso que vai acabar… Minha vida é um eterno domingo à tarde!”. A palavra fascinado alude ao termo “facínora”, atributo do supereu, evocado por Freud em seu texto “Arruinados pelo êxito”.[6] Esse recorte demonstra como o pensamento e a recriminação foram a via utilizada por esse falasser para não se haver com o enorme prazer que tinha com a pintura, da qual se privava, em detrimento dos cuidados com a família.
Em contrapartida, no discurso de uma mulher, conseguimos entrever a infindável justificativa quanto à sua solidão: “Os homens de BH são muito gays; na minha faixa etária é difícil encontrar alguém disponível, eles não se interessam e só querem as menininhas; ou, então, só aparece homem casado em minha vida e eu tenho sempre que ser a outra, nunca a oficial…”. O ponto de gozo desse sujeito está justamente em se colocar em uma procura infindável de um homem perfeito, exatamente para não o encontrar.
Enquanto analistas, estamos advertidos por Miller de que a “razão real de ser” de cada um é o gozo, como nos lembra Ana Lydia Santiago[7] em seu relatório. Temos, assim, o gozo em sua dimensão de repetição e até mesmo de iteração e reiteração: aquilo que retorna ao mesmo lugar, em uma espécie de ritornelo, o “não quero saber nada disso”.[8]
Um outro aspecto que podemos extrair dos relatórios é o lugar que ocupa a inibição nos três registros. Em seu Seminário 25, Lacan nos fornece uma pista:
um tecido, seu suporte, é o que eu chamei de o Imaginário. E o que é surpreendente é justamente isso, a saber, que o tecido, isso se imagina somente. […] É preciso dizer que o tecido não é fácil de imaginar, pois que aí isso se encontra somente no corte. Se eu falei de Simbólico, Imaginário e de Real, é bem porque o Real é tecido. Então como imaginar esse tecido? Pois bem, é precisamente aí que está a hiância entre o Imaginário e o Real. E o que há entre eles é a inibição… precisamente em imaginar. Mas o que é essa inibição, pois que, também, temos dela aí um exemplo, não há nada mais difícil que imaginar o Real; e aí parece que giramos em círculo e que, nesse negócio de tecido, o Real é bem isso que nos escapa e é por isso que nós temos a inibição. É a hiância entre o Imaginário e o Real que faz nossa inibição[9].
Essa assertiva de Lacan nos conduz a outra indagação: o que ele queria dizer com “o Real é tecido”? Haveria um tecer em jogo na esfoliação do Imaginário para se aproximar do Real? O exemplo clínico trazido por Ana Lydia[10] no Seminário de Orientação Lacaniana, “A mulher-borboleta”,[11] extraído da Conversação Clínica ocorrida em Montpellier, ilustra a maneira da tessitura do Real. Resta-nos imaginar o Real quando não contamos com o Simbólico e, ainda, como “a inquietante estranheza (o infamiliar / Unheimlich) que provém do Imaginário” causa uma inibição, tal como descrito por Lacan no Seminário 23.[12]
Interessou à analista da paciente (Marie-Hélène Blancard) trabalhar o momento em que a imagem se destaca como algo de infamiliar, admitindo que essa imagem aponta para o real em jogo nos impasses de sua vida amorosa. Trata-se de uma atriz que estava fazendo um filme que se passa no campo, quando subitamente é capturada pela imagem de uma borboleta que pousa a seu lado. Tomada por extrema angústia, fica tão desconcertada que a cena que estava sendo filmada precisou ser interrompida – algo de uma estranheza a perturba, e a todos à sua volta. Tal cena a remete às lembranças da infância, ao olhar imóvel do avô inválido sobre ela, às brincadeiras com o filho do vizinho e ao pai deste, que a levava para passear em seu trator. Esse homem, em uma cena de abuso, provoca-lhe um prazer perturbador e, depois, muita vergonha. A analista da paciente afirma que essa mulher tinha certa inibição intelectual, não habitava o próprio corpo, vivia como uma borboleta, passando por cima dos acontecimentos da vida com “leveza”, como se nada a afetasse, ou como se nada estivesse acontecendo em uma posição de bela indiferença.
Assim, a introdução no campo visual da borboleta irrompeu algo que refere ao trauma do gozo, à cena sexual e, ao mesmo tempo, ao significante borboleta, sua forma de viver. É como se a borboleta se afirmasse, diante da paciente, em sua imobilidade – aí está o ponto da angústia –, bem como o olhar parado de seu avô sobre ela, que a leva a fugir para a casa do vizinho. Toda essa moldura está sob o regime do olhar, não esquecendo o enquadramento da câmera, a imagem através do filme rodado, acompanhado de palavra alguma: “não há discurso”, afirma Miller na referida Conversação. Parece que o cinema não deixou de ser uma forma encontrada por ela para lidar com o objeto olhar. A borboleta que a olha parada remete a um traço do gozo desse sujeito, do qual não se desvencilha, e que, segundo sua analista, aparece igualmente na transferência (entre o ir e faltar nas sessões) e em sua relação com o parceiro amoroso (ao também se colocar como ausente na relação sexual, inibida frente ao sexual).
Isso nos interessa porque, tal como Ana Lydia esclarece, podemos tomar a emergência do fenômeno do infamiliar como o aparecimento, no campo visual, das marcas próprias do gozo feminino. Ela ainda lança a pergunta sobre como o infamiliar, através da imagem da borboleta, pôde favorecer a responsabilização desse falasser por seu modo de gozo. Acho que seria um ponto interessante para conversarmos!
Seguindo os passos de Bernardo Micherif em seu argumento sobre o eixo de trabalho “A tela do fantasma e a esfoliação do Imaginário”, podemos ainda pensar, com o exemplo clínico da “mulher-borboleta”, que temos no Unheimlich aquilo que o fantasma recobre, ou seja,
uma imagem do Real na qual certo modo de gozo se fixou e que os neuróticos tentam expulsar como um corpo estranho, intrusivo, um excesso que extrapola o enquadre fantasmático, desagrega a imagem do corpo próprio e não encontra seu devido lugar quando se fala.[13]
Sabemos que Freud colocou o fantasma como algo construído no percurso de uma análise, como um aforismo sobre o ser de cada analisante; podemos dizer que é certa montagem simbólica com representações imaginárias. Miller nos elucida, ao indagar:
O que é a fantasia? Numa primeira abordagem, diria que é essencialmente o que, para o sujeito, faz tela diante do Real. A travessia dessa tela é suposta lhe permitir ter acesso ao Real, ter uma entente com o Real, da qual o sujeito, até então, estava cerceado, era incapaz. Essa fantasia faz tela não apenas para o Real, mas também para o seu ser de sujeito, porquanto aquilo que precipita um sujeito para a análise é a busca desse ser, é a pergunta: quem sou eu? […] A fantasia, porém, não é apenas tela, tela do Real, ela também é, a um só tempo, janela sobre o Real.[14]
Nesse mesmo seminário, Miller afirma que havia uma segurança do sujeito proporcionada pela fantasia que fixava seu lugar no Real, como um anteparo. Porém, é preciso ir além, transpor o que se localizou como uma identificação ao objeto da fantasia. Em que pese uma análise permitir ultrapassar essa janela e até mesmo revelar algo de uma verdade, há sempre um resto ineliminável, há a repetição do gozo em sua vertente de iteração.
Assim, pensando na esfoliação necessária a ser feita em relação ao Imaginário, e ao corte operado para que o gozo do corpo dê lugar à frase do fantasma, tomemos um caso trabalhado no Eixo 2. Após a separação dos pais, a criança, em idade tenra, procura a mãe pela casa e se depara com a porta do quarto dela fechada. Escuta barulhos advindos dali. Depois, só o silêncio. Perplexo, o menino foge, mas, à distância, vê a porta se entreabrir e a mãe sair furtivamente do quarto de dormir, onde estava com o namorado, tentando não se fazer vista. Tal cena fixa a posição deste falasser, é uma cena que se repete ao longo de sua vida amorosa, uma vez que ele, extremamente ciumento nas relações, se coloca sempre como um terceiro excluído. Tratando-se de alguém que está em análise, foi possível fraturar essa cena quando, após um rompante em um bar, ele briga com a esposa ao acusá-la de estar sendo sedutora com um amigo próximo. Porém, após o rompimento com ela, algo se desmonta ao se recordar da cena infantil. Foi preciso esfoliar esse Imaginário, passar de um Real como impossível para um Real contingente. No consultório, o sujeito pôde se confrontar com a inexistência da relação sexual, algo impossível de eliminar, como bem sabemos. O objeto olhar estava também colocado, uma vez que esse falasser recorre à fotografia como seu modo de vida.
Para os neuróticos, aquilo do qual nunca se sai é o não querer saber da relação sexual que não existe. A esfoliação tem efeitos sobre o corpo. O tecido é o corpo; esfoliar esse “não quero saber” faz-se necessário! Aqui poderíamos perguntar: o que se passa no quarto de dormir? O neurótico não sabe o que se passa no quarto de dormir, “em que nada acontece, exceto que o ato sexual se apresenta como foraclusão propriamente dita, Verwerfung”.[15] O impossível de eliminar é a inexistência da relação sexual, aquilo do qual nunca se sai. O furo central é esse tentar velar a inexistência da relação sexual. Ainda com Lacan:
Da função do fantasma […] ao âmbito dito perverso, à sua função no registro neurótico, há exatamente, direi, a distância até o quarto de dormir.
[…] na fobia a coisa pode se passar no guarda-roupa, ou no corredor, na cozinha. Na histeria a coisa se passa no parlatório. […] Na obsessão, na latrina.
[…] Esse quarto de dormir é o que comumente se chama consultório do analista.[16]
De tal forma que poderíamos pensar com Lacan que a prática do analista é aquela que “deve dar conta de que haja cortes do discurso que modifiquem a estrutura que ele acolhe originalmente.”[17]
Miller destaca que “se Lacan fala em ‘atravessamento do fantasma’, e não em ‘levantamento do fantasma’, é porque não se trata de forma alguma do seu desaparecimento. Trata-se de ter um vislumbre, logo no início, do que está por trás disso”.[18] Nesse sentido, o relatório de Lilany Pacheco[19] nos convida a pensar que
a ênfase dada pelo último ensino de Lacan à clínica do sinthoma e aos restos sintomáticos na solução do falasser, para o fim de uma análise, não dispensa a verificação das duas dimensões clínicas: o sintoma e o fantasma, desde o início de um tratamento.
Poderíamos pensar que tal localização se aproximaria do que antes chamávamos de localizar o nome de gozo, a marca de gozo de cada paciente?
Ainda com Miller: “O engraçado é que não há nada por trás do fantasma. O fim da análise consiste justamente em caminhar pelo lado do nada”[20]. Oscar Ventura[21] nos ensina, em um breve relato, o sonho que o levou ao Passe. Poderíamos tomar esse sonho como uma via para abordar o Real através da imagem?
No sonho, Oscar Ventura está em uma varanda e uma figura salta por cima dele, caindo no vazio e produzindo um ruído seco, fulminante e fugaz. Depois, há um silêncio; ele sai correndo escadas abaixo, angustiado, não sem a curiosidade de saber quem se atirou – quem havia caído? Tal angústia não lhe causa o despertar, ela habita dentro do sonho, e o acompanha, lado a lado, até a cena na qual, em círculo, pessoas impedem veladamente sua visão, até o grande final de seu sonho, quando indaga: “Quem é? E uma voz anônima lhe responde: É sueco”. Já acordado, surpreso, mas sem angústia alguma, ao decompor o significante sueco em su-eco (“seu eco”), uma grande gargalhada toma conta de seu corpo inteiro. Ele se recorda de que, na infância, quando se deparava com uma palavra sem o menor sentido, sem significação alguma, sendo pronunciada, tinha ataques de risos, ria tanto que ficava com o corpo leve, livre às contingências da vida… Aos poucos, ele vai se despertando, tendo o humor como companhia, largou o estranho sueco entre os lençóis do sonho, bem como o eco (ao qual o pensamento poderia querer dar algum sentido), e pôde constatar que, desde então, algo havia se desprendido, caído, o que o levou a outorgar um valor conclusivo a esse sonho.
Por que esse sonho foi conclusivo? 1) Porque, com ele, interrompeu-se uma inclinação quase obrigatória que ele se colocava: a de dar sempre significações a seus sonhos. Isso lhe causava efeitos no corpo, de fastio e de tédio, que o invadiam ao despertar, pois, depois de sonhar, tentava saber o que queria dizer o sonho sonhado. 2) Segundo ele, porque talvez os sonhos não tenham nenhum destino que se escreva além do corpo que os sonha, ou seja, talvez os sonhos sejam só sonhos, e talvez o despertar só tenha relação ao efeito que o sonho pode chegar a ter sobre o corpo, quer dizer, o que o faz rir escreve-se como acontecimento. Para Oscar, o que chamamos “acontecimento de corpo” é o índice mais preciso que anuncia a ausência de relação sexual, esse umbigo insondável. 3) Para ele, a vida não sonha, ela simplesmente palpita na borda de um furo, que se afasta de qualquer significação que se possa dar; tal “sonho só pode ser lido sob a égide de uma escrita que desloca o campo do ser ao campo da letra”[22]. E ainda, tal sonho perfura qualquer sentido através de um significante sem sentido que cai: sueco, su-eco (“seu eco”), que paralisa a metonímia infinita a que até então se entregara. Em suas palavras: “Então, nesse litoral, no qual uma letra, por minúscula que seja, tem o efeito de fazer ressoar no corpo uma satisfação, bizarra talvez, mas que converte o sujeito mais em um ‘encontrador’ de letras do que um escravo da metonímia”.[23]
Penso que, com esse sonho, um corte se operou. Temos o aspecto visual, o acesso à imagem de um corpo que cai, que angustia o falasser, mas não o leva a acordar, a cena de todos lhe impedindo de ver quem era, e a voz que ressoa trazendo um significante novo, sem o menor sentido. O despertar traz ressonâncias no corpo, o riso, sua leveza, o humor, a interrupção da interpretação metonímica de seus sonhos. Tal como um toro, uma figura de borracha branda e maleável que permite ser deformada, até mesmo cortada, mas que mantém sua propriedade, pode-se constatar que o falasser passou a “servir-se de seu modo de gozo de outro jeito”,[24] como Simone Souto trabalha em seu relatório. Segundo Lacan,[25] “O final de análise é quando se encontrou aquilo de que se é prisioneiro; […] basta que se veja aquilo de que se está prisioneiro. […] E o inconsciente é a face de Real daquilo em que se está enredado”.
Assim, espero ter levantado pontos a serem desdobrados ao longo da 27ª Jornada da Seção Minas. Ainda temos muito a avançar e a decifrar sobre o chamado “ultimíssimo ensino” de Lacan. Vê-se como Lacan continuou se esforçando por fazer valer não algo de uma “obra”, tampouco uma “teoria”, mas por manter-se fiel a seu ensino. Ele não se pensava como autor, mas permanecia como um ensinador, aquele que fala para alguns, que, em posição de aprendiz, se endereçam à psicanálise. Acompanhamos também o empenho de Miller na labuta de estabelecer, passar o que era audível ao legível e desenhado, para reencontrar o que Lacan quis dizer e não disse, traduzindo uma verdadeira arquitetura organizada como superfícies em torno de um vazio.[26]
Notas do autor:
[1] MICHERIF, B. Eixos de trabalho. In: 27ª Jornada da EBP-MG: Textos de orientação. 2024. Disponível em: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/eixos-de-trabalho/. Acesso em: 01 out. 2024.
[2] MILLER, J.-A. El ultimísimo Lacan. Buenos Aires: Paidós, 2014. p. 235.
[3] Idem, ibidem, p. 236.
[4] Idem, ibidem, p. 258.
[5] Idem, ibidem, p. 192.
[6] FREUD, S. Arruinados pelo êxito. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XIV, 2006. (Trabalho original publicado em 1916).
[7] SANTIAGO, A. L. Da vontade de justificação à repetição de gozo. In: 27ª Jornada da EBP-MG: Textos de orientação. 2024. Disponível em: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/da-vontade-de-justificacao-a-repeticao-de-gozo/. Acesso em: 01 out. 2024.
[8] LACAN, J. O Seminário, livro 20: Mais, ainda. Tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. (Trabalho original proferido em 1972-73). p. 9.
[9] LACAN, J. Le séminaire, livre XXV: Le moment de conclure. Lição de 8 de maio de 1978. (Trabalho inédito).
[10] SANTIAGO, A. L. A mulher-borboleta: o infamiliar provém do Imaginário. In: 27ª Jornada da EBP-MG: Textos de orientação. 2024. Disponível em: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/a-mulher-borboleta/. Acesso em: 01 out. 2024.
[11] MILLER, J-A. Parlament de Montpellier. Conversação clínica em torno do Seminário 23. mai. 2011. (Trabalho inédito).
[12] LACAN, J. O Seminário, livro 23: O sinthoma. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; tradução de Sérgio Laia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. (Trabalho original proferido em 1975-76). p. 47.
[13] MICHERIF, B. Eixo 2: A tela do fantasma e a esfoliação do imaginário. In: 27ª Jornada da EBP-MG: Eixos de trabalho. 2024. Disponível em: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/eixos-de-trabalho/#_ftn1. Acesso em: 01 out. 2024.
[14] MILLER, J.-A. O ser e o Um. Lição de 03 de fevereiro de 2011. 2011. (Trabalho inédito).
[15] LACAN, J. O Seminário, livro 14: A lógica do fantasma. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; tradução de Theresinha N. Meirelles do Padro; versão final de Angelina Harari. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2024. (Trabalho original proferido em 1966-67). p. 354.
[16] Idem, ibidem, p. 354.
[17] LACAN, J. O aturdito. In: Outros Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. p. 448-500. (Trabalho original proferido em 1972). p. 479.
[18] MILLER, J.-A. Del síntoma al fantasma. Y retorno. Texto estabelecido por Silvia Elena Tendlarz. Buenos Aires: Paidós, 2018. p. 16.
[19] PACHECO, L. A tela do fantasma e a esfoliação do Imaginário. In: 27ª Jornada da EBP-MG: Textos de orientação. 2024. Disponível em: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/a-tela-do-fantasma-e-a-esfoliacao-do-imaginario/. Acesso em: 01 out. 2024.
[20] MILLER, 2018, p. 16.
[21] VENTURA, O. Sonhar depois do final. Scilicet: o sonho – sua interpretação e seu uso no tratamento lacaniano. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2020. p. 205.
[22] Idem, ibidem, p. 206.
[23] Idem, ibidem.
[24] SOUTO, S. Quando tudo é normal, o que se analisa? In: 27ª Jornada da EBP-MG: Textos de orientação. 2024. Disponível em: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/quando-tudo-e-normal-o-que-se-analisa-eixo-3/. Acesso em: 01 out. 2024.
[25] LACAN, J. Le séminaire, livre XXV: Le moment de conclure. Lição de 10 de janeiro de 1978. (Trabalho inédito).
[26] MILLER, J.-A. O ser e o Um. Orientação lacaniana III, 13. Curso 2011-2012. (Trabalho inédito).
Luz e cenário – Comentário sobre o relatório A tela do fantasma e a esfoliação do imaginário (Eixo 2)
Seminário preparatório
08.08.2024
EIXO 2:
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Como assinala Lilany Pacheco no relatório A tela do fantasma e a esfoliação do imaginário[1], Miller postergou sua abordagem do ultimíssimo ensino de Lacan por prever que este teria efeitos desestruturantes. Nesse seu ultimíssimo ensino, Lacan convidaria os psicanalistas à invenção de sua prática convocando todos a produzir um saber novo. Não seria, portanto, inapropriado dizer, a partir do que Miller[2] nos transmite que, no ultimíssimo ensino de Lacan, trata-se também de uma esfoliação da psicanálise.
Resgato a citação de Bernardo Micherif[3] quando nos fala do cenário em jogo no fantasma. Um cenário implica sempre uma imagem, um olhar e nosso lugar em relação a ele. É no cenário que me encontrei diante do relatório que nos apresentou Lilany Pacheco e ao qual faço, aqui, meus comentários.
Parece-me importante percorrer um caminho que nos permita interrogar sobre o que há de novo no assim chamado novo imaginário. Sigamos pelo viés desestruturante.
Escolho dois momentos em que Lacan retoma o fantasma a partir do texto de Freud “Bate-se uma Criança”.[4]
O primeiro momento se dá no Seminário 5, As formações do inconsciente[5]. Ali, Lacan articula a dimensão simbólica do fantasma. Lembremos que este se apresenta em três tempos, com três frases. Entre a primeira frase, “Uma criança que odeio é batida pelo pai” e a terceira, em que uma criança é batida por um adulto, há uma mudança no cenário. No primeiro tempo, podemos destacar a dimensão imaginária e o ódio em cena. A passagem para a segunda frase, aquela que jamais existiu, inclui a criança no cenário. Em decorrência de um atravessamento imaginário, a criança que olha é, agora, aquela que é batida. No terceiro tempo, contudo, o que entra em jogo são os participantes da cena, de maneira inespecífica: a criança e o adulto não são identificados claramente. A conclusão de Lacan nesse momento privilegia o valor coletivo da cena, a amarração simbólica e a entrada no laço social. A criança aí se inclui a partir do Outro da linguagem e seu universo simbólico.
No seminário A lógica do fantasma, diferentemente, Lacan[6] considera que o fantasma não passa de um arranjo de significantes e que não haveria nada mais que engendrasse o sujeito além de uma frase – engendramento este que, como vimos, já está assinalado no Seminário 5. Lacan dá um passo a mais. De maneira bem pontual, Lacan assinala que “Bate-se uma criança” trata-se exclusivamente de uma articulação significante que quase vela o impossível de eliminar: o olhar[7]. A criança gozaria no lugar do olhar que observa a cena do bater. Haveria, portanto, no olhar, o elemento fundamental, esse impossível de eliminar, mais além desse arranjo simbólico coletivo, arranjo este ordenado pelo amor ao pai. A presença paterna no primeiro tempo do fantasma, opera a estrutura que se constroi ao final como um laço simbólico. Assim teríamos o matema do fantasma (S/<>a). Entretanto, assinalemos que, tomada pelo olhar, o fantasma compõe a cena que a criança observa.
Arriscaria dizer que, no Seminário 14, Lacan aponta para algo além da estrutura. Para sustentar essa afirmação, retomarei suas elaborações sobre a esquize entre o olho e o olhar no Seminário 11[8]. A figura abaixo permite-nos perceber um pouco da dimensão desestruturante
presente nessa elaboração lacaniana[9]:
O Estádio de Espelho, o Esquema Ótico, aqueles com os quais nos acostumamos e que nos ajudaram a pensar a relações entre o simbólico, imaginário e o corpo, principalmente no primeiro ensino de Lacan, são construções que se sustentam-se no campo geométrico. Embora um sujeito, no ponto geometral, perceba a imagem refletida de um objeto, tal como é desenvolvido seja nos Estádio do Espelho, seja no Esquema Ótico, essa percepção não é impossível de ser alcançada por um cego. Isso se deve ao fato de que as relações entre o sujeito, o objeto e sua imagem são geometricamente determinadas. Podem ser intuídas.
Quando Lacan está tratando da esquize entre o olho e o olhar, ele inova ao afirmar que o olhar está na luz, no ponto luminoso, algo que vem do mundo, fora do campo dos reflexos e do Outro. Não se trata aí de uma representação.
O que é luz olha para o sujeito, captura-o, e algo no fundo do olho se pinta. Algo que não é uma relação construída e, aqui, encontramos a distinção fundamental feita por Lacan em relação às suas elaborações referidas ao campo geometral. Trata-se do que está elidido na relação geométrica: na verdade, é aí que o sujeito é apreendido, convocado a todo instante. Com isso, a paisagem se apresenta bem diferente de uma perspectiva, trata-se de um quadro.
O sujeito ali se faz olhar, colocando-se na cena, pintando um quadro em seus olhos, sendo que, nesse quadro, ele se inclui, coloca-se como aquele que olha. Percebemos assim que, na cena do fantasma de “Bate-se uma criança”, esse olhar ineliminável é possível a partir do anteparo, condição da cena imaginada. Portanto, mais do que um quadro, o fantasma é também um anteparo que permite ao sujeito se incluir na zona de sombra criada diante da luminosidade. Como diria Lacan no seminário 11, a realidade é marginal:
“O correlato do quadro, a situar no mesmo lugar que ele, quer dizer, do lado de fora, é o ponto do olhar. Quanto ao que, de um ao outro faz mediação, o que está entre os dois, é algo de natureza diversa da do espaço geometral, algo que representa um papel exatamente inverso, que opera, não por ser atravessável, mas ao contrário, por ser opaco – é o anteparo, o écran.”[10]
O ser humano se demarca assim na estrutura imaginária constituída a partir da disjunção do olho e do olhar. Mas ele consegue jogar com a máscara, como algo que aponta para um mais além do olhar. O homem faz do anteparo sua mediação, diria Lacan. O sujeito se torna ele mesmo esse olhar, na medida em que se acomoda a ele um ponto do ser evanescente, onde se confunde com seu próprio desfalecimento. Lacan afirma que, de todos os objetos nos quais o sujeito pode reconhecer sua dependência no campo do desejo, o olhar é o mais inapreensível, e, portanto, o mais desconhecido. Daí, a facilidade do sujeito em escamotear a presença desse objeto, através da ilusão produzida no espelho.
Esse olhar que se encontra ali de modo algum é um olhar visto, mas um olhar imaginado no campo do Outro. O olhar propriamente dito, jamais se dá a ver. Como produzir esse tipo de escamoteamento sem o recurso do espelho? Encontraremos mais uma referência ao que está em jogo nessa elaboração ao nos ocuparmos dos comentários de Lacan sobre a anamorfose presente no quadro “Os embaixadores” de Hölbein[11].
Diante de toda a ostentação daquela obra, representada pelos embaixadores e tudo aquilo que lembra a vaidade das artes e das ciências, o segredo do quadro é mostrar que, ao nos afastarmos um pouco dele, podemos perceber que o objeto enigmático reflete o nosso próprio nada. Podemos nos perguntar como seria a anamorfose em nosso tempo, um tempo em que os embaixadores ostentam os mais ambicionados gadgets, objetos da tecnologia que permeiam as ofertas de consumo de nosso tempo.
O olhar se apresenta sempre no espaço da luz, em um jogo da luz com a opacidade, e o sujeito, se de alguma forma está no quadro, é como anteparo que ele se apresenta, aquilo que Lacan vai chamar de mancha. Essas questões permitem-nos perceber que, ao se colocar no mundo, esse onivoyeur anterior a nós mesmo exige uma opacidade que funcione como anteparo, e que franqueie a construção de um quadro. Isso se mostra fora da estrutura, como o corpo é algo imaginado. O imaginário é o corpo. Como fazer mancha no mundo dominado pela luminosidade do espetáculo? Como se enlaçar a um corpo quando o pai não mais surpreende, é esvaziado pela ciência, ou quando os objetos de consumo que prometem o gozo acabam por tamponar a divisão do sujeito? Joyce com sua escrita do ego já apontava um caminho.
As condições da contemporaneidade não colocam mais necessariamente em jogo a dimensão especular, o narcisismo. Encontramo-nos muitas vezes diante de pacientes invadidos de gozo, sem o recurso do fantasma, sem uma cena onde se incluir. Isso nos permite pensar nos avatares da psicose, bem como nas multiplicidades dos problemas das doenças da mentalidade, nos impasses em ter um corpo, num mundo onde a luminosidade das ofertas contemporâneas do consumo nos ofusca a todos. Não por acaso, como aponta Miller, o ultimíssimo Lacan nos convida a inventar um saber novo para a psicanálise. Quem sabe os toros nos ajudem?
REFERÊNCIAS
Freud, S. (1976). Uma criança é espancada. In Freud, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago. v. 17 (Trabalho original publicado em 1919).
Lacan, J. (2024). O seminário, livro 14: a lógica do fantasma. Zahar (Trabalho original publicado em 1966-1967)
Lacan, J. (1985). O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Jorge Zahar (Trabalho original publicado em 1963-1964)
Lacan, J. (1999). O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Jorge Zahar (Trabalho original publicado em 1957–1958).
Miller, J.-A. (2014). El ultimíssimo Lacan. Paidós.
Micherif, B. Eixos de trabalho. Texto de orientação da 27ª Jornada da EBP-MG. 2024. Disponível em: Eixos de Trabalho – 27ª Jornada EBP-MG (jornadaebpmg.com.br). Acesso em 17 set 2024.
Pacheco, L. A tela do fantasma e a esfoliação do imaginario. Texto de orientação da 27ª Jornada da EBP-MG. 2024. Disponível em: A Tela do Fantasma e a Esfoliação do Imaginário – 27ª Jornada EBP-MG (jornadaebpmg.com.br). Acesso em 17 set 2024.
NOTAS
[1]Pacheco, L. A tela do fantasma e a esfoliação do imaginario. Texto de orientação da 27ª Jornada da EBP-MG. 2024. Disponível em: A Tela do Fantasma e a Esfoliação do Imaginário – 27ª Jornada EBP-MG (jornadaebpmg.com.br). Acesso em 17 set 2024.
[2] Miller, J.-A. El ultimíssimo Lacan (2006-2007). Buenos Aires: Paidós. 2014
[3] Micheriff, B. Eixos de trabalho. Texto de orientação da 27ª Jornada da EBP-MG. 2024. Disponível em: Eixos de Trabalho – 27ª Jornada EBP-MG (jornadaebpmg.com.br). Acesso em 17 set 2024.
[4] Freud, S. (1976). Uma criança é espancada. In Freud, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago. v. 17 (Trabalho original publicado em1919).
[5] Lacan, J. (1999). O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Jorge Zahar (Trabalho original publicado em 1957–1958).
[6] Lacan, J. O seminário, livro 14: A lógica do fantasma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2024. (Trabalho original publicado em 2023)
[7] Id. p.351
[8] Lacan, J. (1985). O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Jorge Zahar (Trabalho original publicado em 1963-1964)
[9] Id.p.93
[10] Ibid. p.98
[11] Ibid. p.91
Eixo 3 (fotos)
Eixo 3 – Quando tudo é normal, o que se analisa?
Imagens dos seminários: Cecília Batista – fotografia analógica.
Quando tudo é normal, o que se analisa? (Eixo 3)
Seminário preparatório
12.09.2024
EIXO 3:
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Cartel: Bernardo Micheriff, Cristiana Pittella, Elisa Alvarenga, Fernando Casula, Maria Wilma Faria, Rodrigo Almeida, Simone Souto (mais-um)
“O sujeito normal é essencialmente alguém que se coloca na posição de não levar a sério grande parte de seu discurso interior”
(Lacan, 1955-1956/1985, p. 140)
O normal e o supereu
Podemos verificar, em nossos dias uma forte tendência de a norma substituir a lei ou, melhor dizendo, a norma passa a funcionar cada vez mais como se fosse lei. Com o declínio da interdição paterna e da lei edípica, assistimos a uma crescente normatização dos laços sociais e dos modos de vida. A norma, ao contrário da lei, não designa uma interdição universal, ou seja, já não contamos como antes com a articulação entre a lei e o pecado, entre a lei e sua transgressão, com uma prescrição unívoca que possa nos guiar quanto ao que é proibido ou permitido. Sendo assim, a norma não produz um “para todos”, ela visa o indivíduo, normatiza e, também, normaliza o direito individual de cada um ao gozo. Vivemos, portanto, em um tempo no qual todo gozo, ou quase todo, é considerado normal, isto é, dentro da norma. O que antes, com relação à lei, era considerado anormal tornou-se normal. Ser anormal, hoje, é normal. Cada vez mais, cada um tem direito de gozar à sua maneira.
Como nos esclarece nosso saudoso Célio Garcia (2001, p. 13), evocando Canguilhem, “norma é a palavra latina para esquadro e normalis significa perpendicular, isto é, o instrumento usado para traçar ângulos retos”. No entanto, atualmente, mesmo que a norma continue “designando uma medida que serve para apreciar o que é conforme à regra e o que dela se distingue, …essa já não se encontra ligada à ideia de retidão; a sua referência não é o esquadro, mas a média” (Garcia, 2001, p. 13). Assim, a referência passa a ser a opinião comum ou mesmo o que convencionamos chamar de politicamente correto. Dessa forma, as normas, hoje em dia, se multiplicam recaindo, por exemplo, sobre a linguagem, sobre como devemos nos dirigir e falar com cada sujeito ou grupo de forma inclusiva, de tal maneira que ele não seja considerado ou designado, por seu gozo, como anormal. Logo, se, por um lado, a norma tornou-se o meio de produzir um direito social mais inclusivo, por outro, ela dá consistência a uma exigência de satisfação cada vez maior.
Nesse contexto, o empuxo ao gozo tornou-se um fator prevalente na clínica da neurose, na qual constatamos que a não interdição do gozo acaba por se transformar em um imperativo de gozo e, assim, o direito ao gozo se converte de maneira generalizada em um dever de gozar, em uma ordem, em uma lei insensata que comanda: goza! Estamos no reino do supereu. Afinal, como nos esclarece Lacan (1972-1973/1985, p. 11), “nada força ninguém a gozar, senão o supereu!”. Na clínica da neurose, observamos que os pacientes se sentem culpados de não alcançarem esse gozo esperado, prometido, exigido: afinal, “se não há nada que me impeça de gozar por que não estou feliz, por que estou sofrendo, a culpa, então, é minha?”, “Qual é meu erro?”. Logo, a culpa da não realização de um gozo que seria todo recai sobre o falasser: é uma culpa que não está ligada à interdição, mas à diferença entre o gozo obtido e o gozo esperado, culpa de não ser inteiramente satisfeito e feliz. Nas palavras de Lacan (1972-1973/1985, p. 75), “alguma coisa derrapa no que manifestadamente é visado” e, o que resta é um gozo experimentado sempre como inadequado, um gozo que não conviria à relação sexual… se ela existisse.
Portanto, conforme nos esclarece Lacan (1972-1973/1985, p. 11), é no supereu que encontramos “o ponto giratório”, o que faz o neurótico girar em círculos, dar voltas e mais voltas em torno desse limite do gozo e no qual ele se recusa a reconhecer o impossível, a não existência da relação sexual. Por conseguinte, podemos dizer que o supereu como ponto giratório é o que provoca o atordoamento e esse “efeito de náusea do qual Lacan fala” (Mouillac, 2016-2023, p. 157) e que se manifesta no tédio, na desorientação concernente ao desejo, na falta do que dizer e na desesperança tão presentes nas queixas dos neuróticos hoje.
Por isso, o supereu, com seu imperativo de gozo, é tomado por Lacan como um correlato da castração: ao ordenar algo impossível, ele aponta sempre no sentido de seu fracasso, isto é, para o furo da não relação sexual. Resulta daí um paradoxo no qual constatamos, por um lado, que a castração nunca foi tão evidente e, por outro, que ela nunca foi tão velada porque embora o furo, pela ausência do sentido edípico, torne-se cada vez mais visível no mundo contemporâneo, esse furo é sempre encoberto pela exigência do supereu, isto é, pelo empuxo em dar mais uma volta. Portanto, quando não nos é possível definir claramente a neurose pelo complexo de Édipo, o que nos autoriza a dizer que ainda se trata de uma neurose é, justamente, a presença da castração, não aquela ligada à castração paterna, mas aquela que provém do furo da não relação sexual. Daí a importância de fazermos esse furo surgir em meio às voltas do gozo em torno do impossível.
Lacan (1972/2003, p. 469), em “O aturdito”, inventou um neologismo para nomear esse supereu que se satisfaz apenas pela metade sem jamais satisfazer-se: surmoitié (“super–meutade”). Trata-se do supereu feminino, articulado ao não-todo e que, portanto, não corresponde a uma consciência universal, à interdição do gozo encontrada do lado masculino. Bem ao contrário, tal supereu revela, reiteradamente, a inadequação do simbólico na abordagem do real e na apreensão do gozo. Trata-se do supereu como empuxo ao gozo fora do falo, que tende à infinitização, fazendo apelo a um gozo impossível de ser satisfeito. No que diz respeito à análise, essa prevalência de um gozo fora do simbólico, em sua vertente real, funciona, como nos esclarece Miller (2006-2007/2013, p. 238), como um “dissolvente conceitual” do qual encontramos os efeitos no ultimíssimo ensino de Lacan: ao deparar-se com o silêncio do real, com o fato de que “o real não fala” (Miller, 2006-2007/2013, p. 235) – fato que podemos relacionar à lei silenciosa do supereu – o simbólico, sempre privilegiado por Lacan como ferramenta fundamental para analisar, acaba por revelar-se como um instrumento inadequado para fazer frente a esse gozo do supereu. Lacan (1977-1978) também nos adverte que, se uma análise se prende ao simbólico para abordar o real, ela acaba por “consumir-se nela mesma”[1], em suas voltas e, assim, corre o risco de fracassar. Então, retornando à pergunta que dá título ao nosso texto – quando tudo é normal, o que se analisa? –, podemos responder, inicialmente: o supereu. Mas, diante dessa inadequação do simbólico com relação ao real, como analisar o supereu?
Interpretação: a manipulação, o corte e o equívoco
Diante da prevalência do gozo, o analista depara-se com um limite da interpretação. O gozo não é interpretável, ele coloca em primeiro plano não o sentido, mas a matéria, o tecido, o corpo e o que pode funcionar como estofo. Por isso, somos advertidos, por Lacan (1977-1978), de que uma análise é uma prática, não uma abstração e, segundo ele, “se fazemos da análise uma abstração, nós a anulamos”[2] porque perdemos o tecido que constitui “o fato” de uma análise (Lacan, 1977-1978)[3], ou seja, o que lhe confere uma existência. Se tentamos ordenar esses fatos a partir do simbólico, articulá-los, encadeá-los, perdemos o tecido, a tela a partir da qual um real pode ser assegurado.
Assim, a inadequação do simbólico para abordar o real leva Lacan a uma promoção do imaginário no que concerne à apreensão do real e na qual a unidade não é mais da ordem do significante, mas da imagem. Miller (2006-2007/2013, p. 246) chega mesmo a dizer que o significante novo, evocado por Lacan no seminário O momento de concluir, não é um significante, mas uma imagem. Então, se o tecido de uma análise é um fato real, será através da imagem que ele ganhará suporte porque, se o real não pode ser formulado, será preciso imaginá-lo, torná-lo visual, mostrá-lo, “apontá-lo com dedo” (Miller, 2006-2007/2013, p. 249). Trata-se de “recorrer ao imaginário para se ter uma ideia do real” (Miller, 2006-2007/2013, p. 258).
Desse modo, nossa questão inicial – “o que se analisa?” –, desloca-se para a pergunta: “Como operar?” (Lacan, 1977-1978)[4]. Em outros termos, como intervir nessa matéria, como transformá-la? É nessa mesma medida que o Sujeito Suposto Saber será redefinido por Lacan (1977-1978) como Sujeito Suposto Saber como operar[5]. Encontramos, no ultimíssimo ensino de Lacan, um apelo feito a outro modo de interpretação, a partir do qual ele buscava a renovação de sua prática: a interpretação é reduzida à manipulação e ao corte. Não se trata mais da palavra que faz existir a coisa, mas do corte que muda a estrutura dos objetos representados, assim como faz Lacan com os objetos topológicos. O real torna-se matéria, um tecido a ser cortado, manipulado, deformado, para que se possa extrair dele o efeito de furo, isto é, um dizer que faça escutar que a relação sexual não existe.
É importante sublinhar que dizer é diferente de falar. O analisante fala, e o analista corta. O analisante faz poesia, mas o que o analista diz não é poesia, mas corte, participa da escritura, segundo Lacan (1977-1978)[6], faz parte do equívoco que passa pela escrita, pela subversão da ortografia, por outro jeito de escrever o mesmo, de maneira a fazer ressoar outra coisa diferente do que foi dito. O equívoco recorta a palavra da mesma maneira que recortamos um objeto topológico, de tal forma que o mesmo objeto, a mesma palavra, passa a se comportar de maneira diferente. O manejo da sessão analítica torna-se, então, um saber fazer que pode dar forma, a partir de cortes praticados aqui e ali, a cada sessão e a cada vez, ao real de um gozo do qual não se sai. Assim, pela fala, no decorrer da experiência analítica o real, que não é comunicável, ganha corpo.
O ato de cortar, de acordo com Miller (2006-2007), reenvia ao que uma psicanálise tem de estofo, é através do corte que se encontra o tecido, é também o que possibilita o momento de concluir. Podemos dizer, então, que a interpretação assim concebida se aproximaria, cada vez mais, do ato analítico, que não passa pelo pensamento, mas pelo gesto cirúrgico de cortar, que seria a “salvaguarda da psicanálise” (Miller, 2006-2007/2013, p. 195). Na neurose, conforme demonstrou Ana Lydia Santiago em nosso Primeiro Seminário Preparatório, há um real do qual não se sai, mas, se não nos é possível sair disso, podemos fazê-lo se comportar de um outro jeito. Conforme esclarece Lacan (1972/2003, p. 480), em “O aturdito”, trata-se de produzir “uma outra fixão do real”.
Portanto, em seu ultimíssimo ensino, Lacan se esforçará para fazer, com a topologia, uma geometria que tem um corpo, uma geometria do tecido. Imaginar o real, passará, então, por essa estranha manipulação dos objetos topológicos. As figuras topológicas às quais Lacan recorre são figurações do fato de que o analista corta, figurações obtidas pelo corte, na medida em que este tem o poder de mudar a estrutura das coisas, seu modo de se comportar. Quando se faz um corte, o real responde com uma nova forma.
“Recreação topológica”[7] e prática analítica
Lacan (1972/2003, p. 487) designa o toro como sendo a estrutura da neurose, com suas voltas em torno do furo.
Referindo-se a esse mesmo toro, mostra-nos que o verdadeiro corte da interpretação é um corte duplo. Trata-se de um corte feito ao longo da borda do toro, em sentido longitudinal, mas, para que esse corte conclua seu giro e retorne ao ponto de partida, é preciso que se faça duas voltas, ou seja, um duplo giro. Então, o corte duplo no toro modifica sua estrutura, interrompendo suas voltas e produzindo, ao mesmo tempo, um ponto de estofo, de amarração, em volta do furo: o nó borromeano de três.
Dois fragmentos da prática analítica nos mostram essa operação topológica pela qual uma nova figura, uma figura inesperada, surge do duplo corte.
O primeiro fragmento é de um caso clínico de nossa colega da École de la Cause Freudienne (ECF), Rose-Paule Vinciguerra (2001, p. 162-169), traduzido e publicado na Curinga, n. 17, com o título: “A intemperante”. Trata-se de uma mulher de meia idade, bulímica, que há 25 anos provoca vômitos todas as noites com a justificativa de que, se não o fizer, ficará gorda. Diz que não quer mais ter relações com seu marido, homem bonito, mais jovem que ela, mas para o qual não liga nem um pouco. Segundo Rose- Paule, o que virá a luz como ponto extremo do seu não querer (principalmente quanto ao sexo) é que essa paciente é como o pai – um pai que ingurgita, escarra, e que ela odeia. É nesse contexto que um ato falho dá lugar a uma interpretação que joga com o equívoco homofônico do significante. A paciente diz: “mes parents ne supportaient pas mon intérêt corpèrel”. Ela queria dizer “meus pais não suportavam meu interesse corporal”, mas diz “corpèrel” no lugar de “corporel”. A analista corta: corps – père – elle, corpo – pai – ela
Essa interpretação, ao jogar com o equívoco homofônico, intervém diretamente sobre o gozo do sintoma como um corte, esvaziando o sentido sexual de um gozo que unia o corpo, o pai e ela, gozo que, a partir dessa interpretação, a paciente poderá definir como “alimento e sexo”. A confusão entre alimento e sexo revela sua identificação ao pai que ingurgita e escarra, mas também seu lugar de objeto de gozo desse pai, assim como a natureza incestuosa desse laço que ela recusa querendo-se magra e andrógina, ao contrário da mãe que o pai deseja como uma mulher que “tem o que deve lá onde é preciso”.
Podemos dizer que a interpretação corta o sentido do sintoma – “alimento e sexo” – introduzindo em seu lugar uma significação vazia e sem sentido: corps – père – elle, que tem como efeito separar o corpo, o pai e ela.
Esse corte, através do equívoco, realiza o nó a três no toro, enlaçando real, simbólico e imaginário.
Dessa forma, a interpretação não é simplesmente um equívoco de sentido a sentido, mas um forçamento que introduz, no lugar do sentido até então opaco do sintoma, uma significação vazia que anula o sentido, reduzindo-o à dimensão de um isso não quer dizer nada. O duplo corte (corpo / pai / ela) esvazia e amarra, intervindo sobre o toro, sobre o “dar voltas” da paciente, sobre o encher-se e o esvaziar-se da sua bulimia, modificando o desenho de seu sintoma.
Essa nova figuração só pode surgir a partir de uma operação do analista sobre o gozo, tomado como matéria. Sua analista nos faz saber que, depois dessa interpretação, os sintomas se atenuaram, diminuíram de intensidade e frequência, embora não tenham cedido totalmente: os “ditos do sintoma” mudaram com variações e traços que o diferenciam do que aparecia antes (Vinciguerra, 2001, p. 164). É uma análise que, ao menos por ocasião da publicação desse fragmento clínico, ainda estava em curso.
O segundo fragmento, retiro do testemunho de passe de outra colega da ECF, Sonia Chiriaco (2010, p. 9-14). O sonho do final de sua análise nos mostra ainda mais claramente a estrutura de duplo corte da interpretação como equívoco, pelo qual o poder de subversão topológica só poderá operar concretamente a partir de duas voltas. Nesse sonho, ela deveria submeter-se a uma operação que consistiria em abrir a cobertura de seu crânio para extrair alguma coisa, “a última palavra”, ela pensa, “mas qual seria?” (Chiriaco, 2010, p. 12). Lembra-se de que, na noite anterior, colheu mariscos e, entre eles, aqueles chamados “ormeaux”, para expô-los sem as conchas, sob a forma de um quadro, ao público da Escola.
O aparecimento desse significante incongruente, ormeau, em sua face repulsiva – molusco que se apresenta desnudado, sem concha, e repugnante, imagem do real que deveria ser mostrado ao público da Escola – vai se declinar em or-mot, “palavra de ouro”, palavra preciosa onde também encontramos, de forma anagramática, a palavra mort (“morte”) e, ainda, como hors-mot, o “fora da palavra”. Assim, localizamos também, nesse equívoco, três pontos que formam, segundo Mouillac (2016/2023) um trajeto de duplo giro (dois cortes):
1–ormeau – (molusco)
2-or-mot (palavra de ouro – morte)
3– hors-mot (fora da palavra)
ormeau / or-mot / hors mot
Temos, aqui, o mesmo movimento que assistimos no vídeo do corte no toro. Nesse exemplo clínico, notamos claramente que, com o corte simples, de apenas uma volta, o primeiro corte, entre ormeau e or-mot, permanecemos ainda no sentido. Somente no segundo giro, no segundo corte, entre or-mot e hors-mot, que um real será apreendido, mostrando-nos que, aqui, a interpretação não visa ao sujeito, mas ao que está fora do sentido. Hors-mot (“fora da palavra”) é uma palavra fora da palavra, uma palavra que faz explodir todas as palavras, uma palavra que é uma palavra e, ao mesmo tempo, sua dissolução pelo equívoco imediato, um dizer que designa uma ex-sistência, que retorna ao S1 inicial modificando-o, perfurando-o, fazendo cair todos os significantes mestres e precipitando o final da análise.
Trata-se de uma transformação importante operada pela análise porque, conforme nos esclarece Chiriaco (2010, p. 13), sua vida sempre havia sido ordenada por palavras sábias, bem colocadas e com as quais tentava obter o amor de seu pai servindo-se delas como um esconderijo para seu fantasma de “‘morrer para ser desejada’”. A partir do equívoco derivado do sonho, as palavras não lhe servem mais de refúgio e passam a designar-lhe o fora de sentido. Chiriaco (2011, p. 128) também nos esclarece que, “contrariamente ao que parecia anunciar o sonho… não é a última palavra, nenhum significante que possa nomear definitivamente o sujeito de uma vez por todas, nenhum significante que diz toda verdade, nem todo gozo”. Não é algo ao qual se chega por uma dedução lógica, tampouco é uma proposição, mas o que só pode vir à luz através do forçamento de uma nova forma, de uma nova imagem, de uma nova escrita.
Podemos dizer que se trata do equívoco incurável, onde o mesmo ormeau” (molusco) se apresenta de outra forma, hors-mot (“fora da palavra”), possibilitando ao falasser servir-se de seu modo de gozo de outro jeito. Inventa-se, com o equívoco e através do corte que ele produz, outra forma de fixão do gozo, que leva o real a se comportar de outra maneira, fazendo aparecer o furo no qual o falasser sustenta sua existência. Constatamos, aqui, a meu ver, como o equívoco depende da imagem, isto é, da escrita, uma vez que uma escrita não deixa de ser, ela mesma, uma imagem. Nesse contexto, podemos dizer que o equívoco trata a palavra como imagem, como matéria, como coisa.
Um outro retorno a Freud?
Essa captura do real pela imagem, através da qual, por um momento, pelo modo do contingente, o real para de não se escrever, já pode ser, a meu ver, localizado nos primórdios da psicanálise, no sonho considerado por Freud (1900/1972, p. 113-130) como inaugural, marca da descoberta da psicanálise: o sonho da injeção de Irma. Quando fez esse sonho, em 1895, Freud estava envolvido na experiência angustiante que marca o momento de suas principais descobertas, momento decisivo em que a função do inconsciente lhe era revelada. Esse sonho ganha seu valor exemplar por fazer parte do processo dessa descoberta referente ao tratamento da neurose.
Da mesma maneira como o sonho de Sonia Chiriaco marca sua passagem de analisante a analista, o sonho da injeção de Irma marca a descoberta da psicanálise e o advento do desejo do analista de seu criador, do desejo com relação ao que Freud então descobria. Assim, ambos os sonhos não podem ser separados de sua interpretação, sonho e interpretação devem ser considerados conjuntamente, isto é, como palavras que nos são endereçadas, como imagens que nos são mostradas.
Freud, segundo Lacan (1954-1955/1985, p. 187-217), considera um grande sucesso ter podido explicar esse sonho pelo desejo de desculpabilizar-se do fracasso do tratamento de Irma. É verdade que, na noite anterior ao sonho, depois de ter recebido uma visita de seu amigo Otto trazendo-lhe notícias não muito boas dessa paciente, em um tom que lhe parece ser o de uma reprovação pelo fracasso desse tratamento, Freud se dedica a escrever o caso a fim de justificar-se. Mas uma questão essencial é levantada por Lacan (1954-1955/1985, p. 193): “como é que Freud, ele que irá mais adiante desenvolver a função do desejo inconsciente, contenta-se aqui em apresentar um sonho totalmente explicado pela satisfação de um desejo que não se pode chamar de outro modo a não ser de um desejo pré-consciente ou até mesmo consciente?”. Podemos pensar, então, que o passo essencial no que concerne a interpretação do sonho não foi dado.
No entanto, Lacan (1954-1955/1985) nos adverte para o fato de que, se Freud confere tamanha importância a esse sonho, é porque tem a impressão de que deu esse passo, e isso realmente se verifica porque, mais de cem anos depois, o sonho da injeção de Irma ainda é capaz de nos guiar quanto ao real em jogo no tratamento da neurose e na formação do analista. Hoje, podemos dizer, com Lacan e com Miller, que esse sonho, assim como sua interpretação, preserva o tecido, a tela através do qual um real pode ser transmitido. Duas imagens do sonho nos mostram isso.
A primeira é a imagem da garganta de Irma. No início do sonho, vemos Freud reprovando Irma por não ter aceitado sua solução, insistindo para que ela abra a boca, pois é disso que se tratava na realidade: ela não abria a boca, não falava. Mas, quando Irma no sonho, finalmente, faz o que ele quer, quando ela abre a boca, o que Freud encontra vai além do que ele esperava encontrar, é algo diante do qual todas as palavras se estancam. Ele se depara com a imagem do fundo da garganta da paciente, “com crostas e placas esbranquiçadas sobre notáveis estruturas crespas” (Freud, 1900/1972?, p. 115): trata-se de uma imagem que ele próprio nomeia de aterradora e angustiante, associando-a ao feminino e à morte. Tudo se mescla e se associa nessa imagem, desde a boca até os órgãos sexuais femininos, é a carne que jamais se vê, o avesso da face, o fundo das coisas. Lacan (1954-1955/1985) designa essa imagem como a revelação do real.
Normalmente, um sonho que chega nesse ponto provoca o despertar do sonhador, mas Freud – tomado por seu desejo de saber – não acorda, e o sonho vai adiante culminando em outra imagem: a fórmula da trimetilamina. Tal qual um oráculo, essa fórmula que aparece no sonho como uma solução, a derradeira palavra, não fornece resposta alguma ao que quer que seja, à solução da neurose ou ao sentido do sonho, pois não quer dizer mais nada a não ser que é uma palavra, o real cifrado em letras.
Nesse ponto extremo, Freud se liberta de sua culpa não porque se desculpe com relação à Irma, mas porque essa fórmula da trimetilamina, ao abolir todos os sentidos, exclui o falasser de toda a participação trágica na realização da verdade e, por conseguinte, na sua relação com o mundo. Esse momento marca um retorno no qual, onde havia inicialmente a culpa de Freud pelo fracasso do tratamento de Irma, presentifica-se seu desejo como causa do advento da psicanálise.
De todas as formações do inconsciente, o sonho se distingue por apresentar uma particularidade: o aspecto visual, o acesso direto à imagem. Se, como dissemos anteriormente, no ultimíssimo ensino de Lacan não é mais o significante, mas a imagem, que surge como recurso para enfrentar o silêncio do real, podemos considerar, então, que o sonho se torna uma via privilegiada de acesso ao real, sua via régia? Essa nova forma de conceber a interpretação que recai sobre a imagem e a mostração do real, seria um recurso para despertar os neuróticos de hoje de sua normalidade?
Referências bibliográficas
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CHIRIACO, S. “Les noms, lalangue et le météore”. La Cause Freudienne, n. 78, Paris, Navarin, 2011, p. 127-131.
FREUD, S. A interpretação dos sonhos. In: ____. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. IV. Rio de Janeiro: Imago, 1972 (Trabalho original publicado em 1900).
GARCIA, C. “A lei e a norma”. Curinga. EBP-MG, n. 17, 2001, p. 10-19.
LACAN, J. O seminário. Livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Zahar, 1985 (Trabalho proferido em 1954-1955).
LACAN, J. O seminário. Livro 3: as psicoses. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Zahar, 1985 (Trabalho proferido em 1955-1956).
LACAN, J. O seminário. Livro 20: mais, ainda. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Zahar, 1985 (Trabalho proferido em 1972-1973).
LACAN, J. O aturdito. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 448-497 (trabalho de 1972).
LACAN, J. Le séminaire. Livre 25: le moment de conclure. (Inédito, 1977-1978).
MOUILLAC, G. “Recreação topológica”. Correio. Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, n.89 (edição especial). São Paulo, 2023, p. 133-158. (Trabalho proferido em 2016).
MILLER, J. -A. El ultimíssimo Lacan. Buenos Aires: Paidós, 2013 (Trabalho proferido em 2006-2007).
VINCIGUERRA, R.-P. “A intemperante”. Curinga. EBP-MG, n. 17, p. 162-169.
Comentário do relatório Jornada EBP-MG, eixo 3: quando tudo é normal, o que se analisa?
Seminário preparatório
12.09.2024
EIXO 3:
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O relatório feito em torno do terceiro eixo de discussão sobre o tema de nossa próxima jornada trata de um importante aspecto sob o qual as neuroses se apresentam em nossa contemporaneidade: a lei não funciona mais sob o regime do pai, da interdição e, em seu lugar, se apresenta o novo normal que não é mais a norme-mâle, a norma fálica. Esse “novo normal” se desdobra em normas que indicam um direito social mais inclusivo, mas que se derivam em grupos de gozos segregados e que também dão consistência a uma exigência de satisfação cada vez maior. Essas mudanças trazem consequências para nossa clínica, pois elas implicam em novas respostas do real, a um tal ponto que levou Lacan a propor a elas o termo de falasser no lugar de sujeito, que é um termo que se refere à lógica significante. A lógica que podemos construir a partir dessas mudanças traz uma outra maneira de intervir e de abordar a prática da psicanálise e encontramos, nesse relatório, apontamentos teóricos e clínicos para essa elaboração.
Miller nomeou o início do século 21 de era pós-paterna, dando sequência ao que Lacan[1] chamou de evaporação do pai. É essa mudança no discurso, já que a função paterna é uma língua, uma possibilidade de nomear. Essa mudança dá lugar à lei de ferro do social, ao ser nomeado para, consequência de uma função pragmática e, além disso, dá lugar ao direito generalizado ao gozo. Em sua « Nota sobre o pai », de 1968, Lacan retorna ao Édipo com um tom provocador, dizendo: « Todo mundo parece dizer que o mito de Édipo é evidente; eu peço para ver. »[2] Mais uma vez, ele acentua o caráter não generalizável do mito edipiano e insiste na relação com o pai: « é notável ver em Freud o polimorfismo daquilo que concerne essa relação com o pai»[3] Ele responde à questão de um jesuíta, filósofo e historiador das religiões, Michel de Certeau, em relação a Freud e à questão do pai. Se o texto de Freud sobre a neurose demoníaca de Haitzman considera as máscaras sucessivas do pai enquanto que degradado, Michel de Certeau pergunta o que acontece quando não há mais pai a quem se devotar. Lacan não evoca o polimorfismo do pai, mas a relação com o pai, dizendo que estamos na época da evaporação do pai. Ele propõe a ideia de uma cicatriz deixada por essa evaporação e que poderíamos colocar sob o título geral de segregação, apesar de acreditarmos que o universalismo, a comunicação, em nossa civilização, homogeneizariam a relação entre os homens. Se o pai do patriarcado evaporou, o sujeito tem que se haver com uma relação com o pai, que continua tendo sua importância.
Lacan não profetiza o desaparecimento total e súbito do pai, mas ,sublinha sua mudança de estatuto, ressaltando suas consequências. A cicatriz da evaporação do pai toma a forma contemporânea da segregação, mas trouxe ainda ao longo do tempo outras consequências, e podemos dizer que o mito de Édipo não é mais do que uma das maneiras de envelopar essa cicatriz, uma maneira de historicizá-la.
O fator prevalente na clínica das neuroses, hoje, é o empuxo ao gozo e o relatório aponta que as neuroses atualmente não se organizam em torno de um sintoma edípico tal como Freud o concebeu, sintoma fundamentalmente histérico, estruturado a partir da identificação e ligado ao sentido. A nova escrita do sintoma na lógica dos sacos e das cordas é resultado de um deslocamento para o conceito de sinthoma, que tem como palco os transtornos causados pelo gozo ao corpo, fora do campo do sentido.[4] O gozo está no singular do sinthoma, enlaçando simbólico, real e imaginário. É o encontro contingente com esse gozo, que está em jogo.
O relatório esclarece-nos que, no supereu, encontramos “o ponto giratório”, o que faz o neurótico girar em círculos, dar voltas e mais voltas em torno desse limite do gozo e no qual ele se recusa a reconhecer o impossível, a não existência da relação sexual. É esse circuito infernal que nos cabe enfrentar nos tratamentos, já que o furo da castração se encontra encoberto pela exigência do supereu, pelo empuxo em dar mais uma volta. Estamos diante da castração não do pai, como denunciava a histérica, mas diante daquela que decorre do furo da não relação sexual. Por isso, o relatório propõe que o trabalho com a neurose na atualidade é um trabalho de análise do supereu, ou seja, um trabalho com o real do gozo que sempre insiste em dar uma volta a mais. E como o gozo não é interpretável, nem todo posto em palavras, o que nos resta é operar com a moterialité a materialidade da palavra, o fora de sentido, o tecido e o corpo.
Uma interpretação sempre tem um efeito de corte se considerarmos o corte como a interrupção da sessão ou o devir do discurso. Mas quando buscamos a incidência da interpretação sobre o real do gozo, ela é reduzida à manipulação e ao corte que muda a estrutura dos objetos representados, assim como Lacan faz com os objetos topológicos. O real torna-se matéria, um tecido a ser cortado, manipulado, deformado, para que se possa extrair dele o efeito de furo, isto é, um dizer que faça escutar que a relação sexual não existe. Tomamos então um estatuto distinto daquele da palavra que se apresenta como significante fazendo cadeia, para extrair dele o equívoco, o mal entendido, o fora de sentido que fez acontecimento de corpo. O drama do ser falante é que seu corpo, do qual ele goza, lhe foi dado através de uma operação que toca o incorporal. E isso para cada um, de maneira singular. Por isso temos muito menos que nos ocupar com as histórias de família do que com o seu real.
Como disse Laurent, Lacan precisou “dar um passo a mais para generalizar e passar do sintoma que fala, ao sintoma que se escreve em silêncio, que não é mais comunicação, mas escrita.” Uma vez que o sintoma não se desvanece, há restos sintomáticos que revelam “uma forma lógica fundamental do sintoma como o que se escreve sobre o corpo e não fala, não passa pela experiência da fala, pois deixa de se interessar pelo sentido.”[5] Trata-se do que Miller chamou, em seu curso O ser e o Um, de desentologização: “a heresia lacaniana não consiste em deixar o campo da linguagem, mas em permanecer nele se regulando por sua parte material, ou seja, pela letra no lugar do ser”.
O recurso à topologia é um recurso à palavra como escrita, aquela que permite deformar e inventar. O relatório trabalha a figura topológica do toro que Lacan designa em “O aturdito” como sendo a estrutura da neurose. O toro, além de não ter bordas, tem duas faces, e diante das voltas em torno da alma ou espaço interior e do furo, mostra-nos que o verdadeiro corte da interpretação é um corte duplo e que a banda de Moebius é o próprio corte. Assim, é mesmo preciso um processo que traga efeitos de mudança topológica. A topologia nos apresenta figuras cujos cortes produzem efeitos de subversão[6] , as também traz figuras onde temos a continuidade entre duas dimensões distintas que, mesmo não sendo cortadas, se transformam. É uma lógica presente na deformação das figuras. O testemunho de passe de Raquel Cors nos traz um trabalho no qual a intervenção do analista consistiu muito menos em interpretar do que em nomear. O sujeito chega depois da perda de várias pessoas queridas e diante dessa depressão o caminho foi o de encontrar distintas maneiras de nomear sua posição. Seu nascimento foi marcado por uma luxação congênita e ela recebeu das enfermeiras o vaticínio de que era uma criança linda, mas que iria morrer. O uso de ferros nos quadris a faz formular que era pesada para seu Outro, fixando-se numa posição de isolamento, inibição e com dificuldades para articular palavras e falar em público. Impotente para se fazer escutar e fazer-se olhar. Em certa ocasião a analista lhe diz: “Raquel, uma sobrevivente”. Em outro momento, escondendo seu próprio olhar sob os cabelos, a analista lhe aponta o significante “desgraçada”, que ela usava para nomear a si mesma, e lhe diz para soltar a menina, posição que ela carregara a vida toda. O trabalho dessa análise girou em torno de uma separação da posição de objeto de menina desgraçada colada em seu Outro e a separação com a analista foi um processo difícil e fundamental. Ao comentar esse passe, Marie-Hélène Brousse[7] afirma que essa análise está incluída no inconsciente do sujeito e que a topologia para pensar suas mudanças não seria aquela da vizinhança e dos cortes apresentada pelo toro, mas aquela apresentada pelo cross-cap. Ela aponta que há nesse caso um tratamento feito muito mais através de nomeações do que de interpretações que cortam o sentido para dar lugar ao fora de sentido do equívoco. Isso me fez pensar que a topologia é um recurso para pensarmos a lógica da operação clínica e dos efeitos que ela produz.
Voltando ao toro, o relatório nos traz exemplos clínicos para nos ensinar como esse recurso nos permite compreender melhor o trabalho com o mal entendido, com a materialidade da palavra e com o gozo do corpo. Agora fica claro que não há relação entre um significante e a falta no simbólico. No que Lacan chamou de lalíngua, há somente significantes sozinhos, sem nenhuma relação binária, cada um trazendo uma vertente de gozo mortificante e sem significação, onde encontramos um simbólico enlouquecedor em seus efeitos traumáticos de ruptura da consistência corporal. A primazia do Outro dá lugar à contingência de lalíngua, que concerne ao corpo.
O primeiro exemplo tomado no relatório é o de um caso de bulimia atendido por Rose-Paule Vincinguera. O trabalho com a materialidade da palavra veio através de um ato falho da paciente. O caminho aqui não foi o de decifrar o sentido dessa formação do inconsciente, mas o de escandir o significante que surge – corperel – em corps-père-elle, fazendo aparecer dentro do corpo da palavra uma operação que permite desembaraçar o direito do avesso que funcionava como uma banda de Moebius entre o alimento e o sexual. Essa interpretação é corte porque aponta uma brecha entre esses significantes que aparecem colados e separa o que parecia estar articulado. Dessa separação, surge o silêncio, o ab-senso se ouve nesse próprio silêncio, tal como Lacan nos ensina em “O aturdito” [8]. A interpretação corta o sentido do sintoma, introduzindo em seu lugar uma significação vazia e sem sentido, que tem como efeito separar o corpo, o pai e ela. Ao mesmo tempo que revela o que está por trás desse tecido entre verso e anverso, sua identificação ao pai que ingurgita e escarra, mas mostra também seu lugar de objeto de gozo desse pai, assim como a natureza incestuosa desse laço que ela recusa querendo-se magra e andrógina, ao contrário da mãe que o pai deseja como uma mulher que “tem o que deve lá onde é preciso”.
O segundo exemplo é o do passe de Sonia Chiriaco. Ela relata distintas interpretações de seus analistas. Uma delas se remete ao seu duplo prenome Sonia/Dominique, “você é uma mentira ambulante”, proferida como um insulto, modo de apresentação do real da palavra. Estava aqui presente a palavra do pai que debochava dela no lugar de lhe transmitir seu saber enigmático. Em seguida, ela se refere a um sonho onde o analista lhe diz que vai ensiná-la a olhar nos olhos. Na sessão em que relata esse sonho, seu analista lhe diz que agora ele entendia por que a recebia frente a frente, e Eric Laurent comenta que analista e analisante estão do mesmo lado. E nesse trabalho de tessitura, surge o sonho de final de análise com o significante ormeau que, sendo uma criação da análise, é imediatamente dissolvido pelo equívoco. Ele faz cair os significantes mestres. O relatório nos diz que entre ormeaux e or-mot, permanecemos ainda no sentido. Somente no segundo giro, no segundo corte, entre or-mot e hors-mot, um real será apreendido. Quando Sonia diz que gostaria de terminar sua análise não tão bestamente, o analista lhe diz para escrever sobre seu medo de ser besta. Aqui a escrita conectada às interpretações anteriores que já haviam operado sobre as identificações e o fantasma de desaparecer para ser desejada é o que permite ao sujeito sair definitivamente de seu esconderijo, deixando aparecer a verdadeira amarração borromeana. A escrita é o que faz aparecer o equívoco da palavra fora de sentido e a separação de seu sintoma de se esconder. Temos, então, uma transmissão da passagem de analisante a analista, uma mudança topológica de lugar e de como ensinar o que não se ensina. A lógica, como diz Lacan em seu seminário 14[9], é o manejo de uma escrita, o que podemos ver se apresentar nesse relato.
Quanto à queda do patriarcado, Eric Laurent nos diz que, diante da recusa do laço mítico mantido por Freud entre o pai e o todo, do pai como universal, Lacan nos abre a via de uma nova lógica. Pareceu-me importante o que Sonia nos transmite sobre esse ponto. Se quando menina ela havia sentido medo e vergonha por não entender a palavra de uma canção e ao ser gozada pelo pai, ela compreende finalmente que este lhe havia transmitido o desejo de saber. Uma transmissão de um pai. Retornando à análise depois da morte do pai, ela sonha que havia encontrado a mala de viagem de sua infância, e com ela o gosto de viver.
O terceiro exemplo trazido no relatório é o do sonho de Irma, em suas duas vertentes, a imagem da garganta e a fórmula da trimetilamina. Imagem e escrita da fórmula. O trabalho de construção dessas distintas bordas da formação do inconsciente é o que dá lugar a uma nova invenção da qual todos continuamos a nos ocupar de fazer existir: a psicanálise e seus efeitos sobre o real.
Notas do autor:
[1] Lacan J., Note sur le père, 1968, in: La cause du désir, n. 89, Paris: Navarin Ed., 2015, p.8.
[2] Lacan J., Note sur le père, 1968, in: La cause du désir, n. 89, Paris: Navarin Ed., 2015, p.8.
[3] Idem.
[4] Laurent, E. O Avesso da Biopolítica. Uma escrita para o gozo. Contra Capa: Rio de janeiro. 2016. Pg 43.
[5] Idem, pg 46
[6] LACAN, J. O aturdito (1972). In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 474.
[7] BROUSSE M-H, Interlocución de Marie-Hélène Brousse, Bitácora Lacaniana, Número Extraórdinário, Que madres hoy?, NEL, Abril 2019
[8] LACAN , J. idem, p.459.
[9] LACAN, J. Le séminaire. Livre 14: La logique du fantasme (1966-1967) , Paris: Seuil, 2023, p.23.
De onde o analista não sai
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Tania Coelho dos Santos[1]
Membro da EBP, da ECF-Paris, da AMP
De onde o analista não sai
Tania Coelho dos Santos[1] (Membro da EBP, da ECF-Paris, da AMP)
Acredito que as análises podem terminar de muitas maneiras. Vou me restringir a pensar sobre os finais de análise a partir de um recorte específico desse campo, o da experiência de analistas. E, mais particularmente ainda, o recorte dos analistas de orientação lacaniana. Será que podemos abordar os finais de análise de não analistas com os mesmos pesos e medidas? Um analista de orientação lacaniana se analisa com as ferramentas de sua formação teórica e de sua experiência prática. A medida do sucesso de sua análise não é, via de regra, apenas a satisfação que por meio dela alcançou. Estar feliz ou não ter mais sede do inconsciente não costuma ser razão suficiente para separar-se do seu analista. A travessia do fantasma, a passagem à analista, a extração de um significante novo não impedem que os analistas continuem a frequentar o divã, seja o dos analistas com os quais finalizaram suas análises, seja o de outros. Para o constatarmos, basta observar que mesmo Analistas da Escola não abandonam o tratamento de seus restos sintomáticos após a nomeação como AE pelo dispositivo do passe.
Neuróticos, analistas e fim de análise
A próxima jornada da Seção Minas Gerais da Escola Brasileira de Psicanálise foi muito feliz quando nos propôs pensar sobre “Onde estão os neuróticos e de onde eles não saem” nos dias de hoje. Deixo de lado os numerosos neuróticos que nos pedem para ajudá-los a realizar o imperativo de gozo contemporâneo. Esperam que a gente descubra alguma verdade traumática ou edipiana que os ajude a estar à altura da promessa de que nada é impossível. Conduzi-los a acolher o impossível em jogo no campo do gozo é uma missão politicamente contra cultural. Porém, nosso interesse recai sobre o porquê de analistas não deixarem o consultório do analista, essa espécie de quarto de dormir onde a relação sexual não acontece nunca, como sublinha o excelente relatório do cartel de A. L. Santiago (2024)[2]. Quanto ao neurótico, por que ele não sai da análise? A inibição em imaginar o real nos é apresentada como uma resposta finamente articulada neste relatório que examinou a paixão do neurótico pela falta à ser à luz de: “Da vontade de justificação à repetição de gozo”. Essa inibição explica porque o neurótico não sai da análise: evita confrontar-se à não relação sexual. Refugia-se lá onde ela é impossível por definição, o consultório do analista. Servindo-se do artigo de Miller (2016), esse relatório nos recorda que o a neurose impõe ao sujeito o dever de inventar sua razão de ser. Como levá-lo, então, a encarar “a falta de razão de ser” no real.
Um analista sabe que a única razão de ser é o gozo. No neurótico, entretanto, a imaginação narcísica do Eu está a serviço de fortalecê-lo mais ainda e não lhe abre as portas para um novo uso da imaginação de si. O imaginário narcísico do corpo manifesta-se no devaneio histérico, na ruminação obsessiva e nas manobras preventivas do fóbico para evitar o encontro com o outro sexo. A direção do tratamento consiste em mudar a relação com o gozo e incide sobre os dois eixos da evitação: o fantasma e a repetição. Essa mudança tem um parentesco com o sinthoma – que podemos definir como a redução do sintoma aos restos sintomáticos – núcleo de gozo onde se aloja o segredo da paixão do neurótico por justificar sua injustificável singularidade. Trata-se de fazer um novo uso do sinthoma, que é o resto da repetição de gozo. Seria essa mudança suficiente para desembaraçar o neurótico da vontade de justificação?
De acordo o relatório acima mencionado – e que nos é oferecido como um texto de orientação para a próxima jornada – a resposta é não, pois existiria uma inibição em abordar o real mais além do sentido. Esse excelente relatório também nos explica detalhadamente como podemos, observando o nó borromeano no sentido giratório, situar os obstáculos à prática do analista. Quando o vetor I (imaginário) se dirige ao S (simbólico) encontramos a imaginação do simbólico ou o fantasma. Esta via do significante, do campo da fala esbarra na infinitização da análise. O eixo [S-R], via do fantasma, conduz a um “eu sou isso”, pois esbarra no objeto a como semblante. Existiria, essa é a hipótese de Lacan em seu ultimíssimo ensino, uma hiância mais acentuada entre o real e o imaginário, eixo [R-I], responsável pela inibição. Diante da inexistência da relação sexual, a dificuldade do neurótico consiste em imaginar a distância entre a função do fantasma perverso (que sabe sobre o gozo) e sua função no sintoma neurótico (o que não quer saber nada). E para compreender bem isso, Miller (2016) nos oferece a metáfora do quarto de dormir. Todas as manobras defensivas neuróticas servem para evitar a inexistência da relação sexual, mas pode também acontecer que elas o levem a esse quarto de dormir onde não acontece nada: o consultório do analista.
Em que consistiria essa saída do impasse sexual por meio de uma imaginação do real? Certamente, sobretudo quanto aos analistas, seria preciso recolher nos testemunhos de passe evidências do atravessamento desse obstáculo. Assim, poderíamos aprender alguma coisa sobre esse novo final de análise que a imaginação do real permite fazer advir. Se entendi bem, esse passo se dá mais além da travessia do fantasma, da queda da suposição de saber, da disjunção entre $ e o objeto a, da passagem ao ato e até do advento de um significante novo ao final de uma análise.
Sobre a diferença entre rememoração e reminiscência
Lacan (1975-1976/2007, p. 127) distingue com precisão os sentimentos de realidade e de irrealidade e opõe os dois registros da rememoração e da reminiscência. O sentimento de realidade é a nossa definição mais restrita relativamente a uma lembrança esquecida que retorna e que, então, dizemos: “é assim, era assim”. O sentimento de realidade é percebido como tal, produz-se no interior do tecido simbólico e é do registro da rememoração. Podemos dizer que o inconsciente recalcado e seu retorno, a retroação significante, a história, o tempo, pertencem à rememoração. A ausência simbólica no real, o significante foracluído, sozinho, fora do tempo, corresponde ao campo da reminiscência.
A “imagem” em jogo na reminiscência é real? É dela que trata o relatório do cartel de A.L. Santiago (2024) e o artigo de J. Santiago (2024)? Explico. Há rememoração quando um elemento reencontra a sua articulação simbólica. No Seminário XXIII, Lacan (1975-1976/2007, p. 127) chama de reminiscência, com seu correlato sentimento de irrealidade, ao momento em que este sentimento responde a “formas imemoriais que aparecem no palimpsesto do imaginário”. Formas imemoriais estão num registro diferente daquele a que chamamos memória. É alguma coisa que está lá sozinha. As formas imemoriais aparecem fora do texto simbólico quando este se interrompe, e desnuda o suporte da reminiscência. O suporte da reminiscência é uma imagem, uma forma, que o sujeito não pode elaborar a partir da experiência.
Lacan esclarece que essa ideia de imagem no real baseia-se na análise da alucinação completada pela do acting-out. Lacan vê nesse fenômeno uma irrupção do real, pois se trata de uma relação foracluída ao objeto a. No acting-out existe apenas um deslocamento em relação à definição de alucinação. O sujeito ignora do que se trata nessa compulsão. O acting-out não tem a mesma dimensão da verdadeira alucinação. Pois é apenas um simulacro dela. Diz respeito à resistência que é interior à cadeia significante ao passo que a defesa diz respeito à orientação fundamental do sujeito em relação a um elemento não-significante. Não é a mesma coisa que uma passagem ao ato, isto é, uma foraclusão radical do real numa verdadeira alucinação.
Embora eu não tenha alcance clínico para justificar o que vou concluir, apoio-me no que pude compreender da topologia lacaniana: no caso do neurótico, a reminiscência é uma “imagem” de um objeto a foracluído no real. Como toda resistência provém do imaginário, podemos supor que é dessa “imagem” da qual ele se reminisce que provém a inibição que o impede de sair da análise. Nos testemunhos de passe já se observam exemplos de acting-outs, ao final de uma análise, em que essa imagem reminiscência pode se evidenciar?
Referências Bibliográficas
Lacan, J. (2007). O Seminário 23: o Sinthoma, Jorge Zahar Ed. (Trabalho original publicado em 1975-1976).
Miller, J. A. (2016) La passion du névrosé, in: La Cause du désir, volume/2, número 93, pags 112-122
Santiago, A.L. (2024) Da vontade de justificação à repetição de gozo, in: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/da-vontade-de-justificacao-a-repeticao-de-gozo/
Santiago, J. (2024) O imaginário na clínica do sinthoma in: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/o-imaginario-na-clinica-do-sinthoma/
Notas
[1] Texto produzido no âmbito do cartel constituído por Tania Coelho dos Santos (+1) Flávia Lana Oliveira, Fernanda Queiroz, Daniela Scarpa da Costa e Maria Cristina Antunes
[2] Relatório do cartel constituído por Ana Lydia Santiago (+1) Maria José Gontijo Salum, Ram Mandil, Fernanda Otoni, Graciela Bessa, Luciana S. Brandão e Maria de Fátima Ferreira.
A esfoliação do imaginário e o tempo
A esfoliação do imaginário e o tempo[1]
Laura Rubião ( EBP/AMP)
A esfoliação do imaginário e o tempo[1]
Laura Rubião ( EBP/AMP)
No último seminário preparatório à 27ª Jornada da Seção Minas, dedicado ao tema proposto pela comissão científica para o eixo 2: “A tela do fantasma e a esfoliação do imaginário”, tivemos a oportunidade de fazer avançar o debate em torno desse significante novo – esfoliação – introduzido por Lacan no seminário 25.
Retomo aqui o contexto em que ele surge: “Para que o imaginário se esfolie, é suficiente reduzi-lo ao fantasma, o importante é que a própria ciência não passa de um fantasma e que a ideia de um despertar seja, propriamente, impensável”.[2] É curioso que esse movimento de esfoliação do imaginário – tributário da fase final do ensino de Lacan, na qual o imaginário se apresenta em sua estreita conexão ao real – diga respeito a uma redução ao fantasma e não a seu atravessamento.
Se o despertar para o real é impossível, a análise não deixa de se alimentar por um desejo de despertar, aponta Miller [3], acrescentando que esse desejo de promover o encontro com o real marca, inclusive, a orientação que um analista imprime a cada sessão de análise. Haveria uma conexão entre essa esfoliação do imaginário e o instante do despertar em análise? Sabemos que esse despertar apenas se realiza sob a forma de uma efração ou faísca, algo da ordem de uma irrupção do gozo que provoca um desarranjo na rotina do discurso. Poderia essa irrupção ser traduzida, nos termos do trabalho de investigação do ultimíssimo Lacan, como esse instante em que se torna possível imaginar o real? Essa experiência do clarão[4] pode se dar a cada sessão analítica, por meio, por exemplo, do efeito de corte de uma interpretação, tanto quanto deve depurar-se ao longo de toda uma análise como resíduo do encontro com o real, portador da marca singular do impossível. É preciso tempo para que algo se esfolie, lembrou-nos Bernardo Micherif, durante a última preparatória .
Anne Colombel-Plouzennec toma o fantasma no último ensino de Lacan a partir de uma dupla acepção do termo ‘aspiração’: no sentido de que se aspira a algo e enquanto passagem do ar pela estrutura do toro, que daria lugar a uma verificação do furo.[5] Penso ser esta uma maneira elegante de coordenar as duas concepções lacanianas sobre o fantasma – a tela que serve de proteção ao real e a janela que desenha uma borda sobre o real – como operações sincrônicas e coexistentes, engendradas de um só golpe na constituição do falasser. Desse modo, torna-se possível pensar a esfoliação do imaginário não apenas como produto do final de uma análise, mas como fruto de momentos fecundos do encontro com um analista. Em sua própria estruturação, o fantasma propaga o furo que ele próprio contorna e que, sobretudo sem a esfoliação, se escamoteia, aparece mais como tela do que como janela.
É o que sugere o relatório apresentado por Lilany Pacheco[6] ao afirmar que, para decidirmos hoje pelo diagnóstico da neurose, muitas vezes é preciso lançar mão dessa esfoliação para ter acesso à existência ou não de uma estrutura fantasmática que sirva de base ao arcabouço subjetivo da neurose.
Notas
[1] Texto elaborado a partir do trabalho desenvolvido pelo Cartel composto por: Jésus Santiago, Kátia Mariás, Laura Rubião, Lilany Pacheco (Mais um), Sérgio de Campos, Sérgio Mattos.
[2] LACAN, J. Le séminaire. Livre 25: Le moment de conclure. Lição do dia 15/09/77, inédito.
[3] MILLER, J.A. Despertar. In: Scilicet. O sonho, sua interpretação e seu uso no tratamento lacaniano, p.18.
[4] Cf. LAURENT, É. A interpretação: da verdade ao acontecimento. In: Curinga, n.50. Belo Horizonte, jul/dez 2020, p. 169-187.
[5] Plouzennnec, C.A. Le fantasme dans le tout dernier enseignement de Lacan. Disponível em Ironik,n. 60, na internet: https://www.lacan-universite.fr/wp-content/uploads/2024/09/Ironik-60-Colombel-Plouzennec-DEF-DEF-1.pdf
[6] Pacheco, L. A tela do fantasma e a esfoliação do imaginário. Disponível na internet: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/textos-de-orientacao/
Eixo 2 (fotos)
Eixo 2 – A tela do fantasma e a esfoliação do imaginário
Imagens dos seminários: Cecília Batista – fotografia analógica.