A esfoliação do imaginário e o tempo[1]

Laura Rubião ( EBP/AMP)

A esfoliação do imaginário e o tempo[1]

Laura Rubião ( EBP/AMP)

No último seminário preparatório à 27ª Jornada da Seção Minas, dedicado ao tema proposto pela comissão científica para o eixo 2: “A tela do fantasma e a esfoliação do imaginário”, tivemos a oportunidade de fazer avançar o debate em torno desse significante novo –  esfoliação – introduzido por Lacan no seminário 25.

Retomo aqui o contexto em que ele surge: “Para que o imaginário se esfolie, é suficiente reduzi-lo ao fantasma, o importante é que a própria ciência não passa de um fantasma e que a ideia de um despertar seja, propriamente, impensável”.[2] É curioso que esse movimento de esfoliação do imaginário – tributário da fase final do ensino de Lacan, na qual o imaginário se apresenta em sua estreita conexão ao real – diga respeito a uma redução ao fantasma e não a seu atravessamento.

Se o despertar para o real é impossível, a análise não deixa de se alimentar por um desejo de despertar, aponta Miller [3], acrescentando que esse desejo de promover o encontro com o real marca, inclusive, a orientação que um analista imprime a cada sessão de análise. Haveria uma conexão entre essa esfoliação do imaginário e o instante do despertar em análise? Sabemos que esse despertar apenas se realiza sob a forma de uma efração ou faísca, algo da ordem de uma irrupção do gozo que provoca um desarranjo na rotina do discurso.  Poderia essa irrupção ser traduzida, nos termos do trabalho de investigação do ultimíssimo Lacan, como esse instante em que se torna possível imaginar o real? Essa experiência do clarão[4] pode se dar a cada sessão analítica, por meio, por exemplo, do efeito de corte de uma interpretação, tanto quanto deve depurar-se ao longo de toda uma análise como resíduo do encontro com o real, portador da marca singular do impossível. É preciso tempo para que algo se esfolie, lembrou-nos Bernardo Micherif, durante a última preparatória .

Anne Colombel-Plouzennec toma o fantasma no último ensino de Lacan a partir de uma dupla acepção do termo ‘aspiração’: no sentido de que se aspira a algo e enquanto passagem do ar pela estrutura do toro, que daria lugar a uma verificação do furo.[5]  Penso ser esta uma maneira elegante de coordenar as duas concepções lacanianas sobre o fantasma – a tela que serve de proteção ao real e a janela que desenha uma borda sobre o real – como operações sincrônicas e coexistentes, engendradas de um só golpe na constituição do falasser. Desse modo, torna-se possível pensar a esfoliação do imaginário não apenas como produto do final de uma análise, mas como fruto de momentos fecundos do encontro com um analista. Em sua própria estruturação, o fantasma propaga o furo que ele próprio contorna e que, sobretudo sem a esfoliação, se escamoteia, aparece mais como tela do que como janela.

É o que sugere o relatório apresentado por Lilany Pacheco[6] ao afirmar que, para decidirmos hoje pelo diagnóstico da neurose, muitas vezes é preciso lançar mão dessa esfoliação para ter acesso à existência ou não de uma estrutura fantasmática que sirva de base ao arcabouço subjetivo da neurose.

Notas

[1] Texto elaborado a partir do trabalho desenvolvido pelo Cartel composto por: Jésus Santiago, Kátia Mariás, Laura Rubião, Lilany Pacheco (Mais um), Sérgio de Campos, Sérgio Mattos.

[2] LACAN, J. Le séminaire. Livre 25: Le moment de conclure. Lição do dia 15/09/77, inédito.

[3] MILLER, J.A. Despertar. In: Scilicet. O sonho, sua interpretação e seu uso no tratamento lacaniano, p.18.

[4] Cf. LAURENT, É. A interpretação: da verdade ao acontecimento. In: Curinga, n.50. Belo Horizonte, jul/dez 2020, p. 169-187.

[5] Plouzennnec, C.A. Le fantasme dans le tout dernier enseignement de Lacan. Disponível em Ironik,n. 60, na internet: https://www.lacan-universite.fr/wp-content/uploads/2024/09/Ironik-60-Colombel-Plouzennec-DEF-DEF-1.pdf

[6] Pacheco, L. A tela do fantasma e a esfoliação do imaginário. Disponível na internet: https://www.jornadaebpmg.com.br/2024/textos-de-orientacao/