Fantasma e neurose, hoje

Paula Duarte Félix [1]

Na atualidade, é possível perceber que as neuroses ainda existem, mas elas nem sempre se apresentam na clínica como há algumas décadas. A partir dessa constatação, surge a pergunta: qual o estatuto do fantasma, hoje, em relação às neuroses que continuam a existir?

Patrício Alvarez Bayón (2019) aponta que, na prática analítica, é possível localizar as mutações do fantasma através de algumas rupturas. Há casos em que o fantasma não guia, não funciona como articulador entre desejo e gozo. Por exemplo, na passagem ao ato, o marco fantasmático se rompe e o sujeito atravessa o que se apresenta como tela, anteparo, caindo como objeto, resto. Também nas toxicomanias, temos a ruptura da articulação entre o fantasma e o falo. Por sua vez, no silêncio que marca certos atos violentos, verificamos que o fantasma não conseguiu produzir a distância necessária entre sujeito e objeto assim como, em muitas anorexias e bulimias, o objeto oral pode se apresentar desconectado do fantasma.

Nesse contexto, indagamos se, nos casos de sujeitos neuróticos esmagados pelo objeto a, tal como constatamos em vários sintomas que temos chamado de “contemporâneos”, não encontraríamos uma ilegibilidade que, conforme nos indica Naparstek (2018) em sua releitura de Miller (2018), torna muito mais difícil uma interpretação, uma elaboração e mesmo uma construção do fantasma. Será que, hoje em dia, o fantasma também tem a mesma dimensão axiomática, norteadora, de outrora? Ou será que o esmagamento pelo objeto a, detectável na ilegibilidade apresentada em muitos casos, perturba o funcionamento de certo modo de gozo que, ao longo de uma análise, encontrávamos no fantasma? Poderíamos, por fim, levantar mais uma questão a ser investigada: em nossa prática, hoje, haveria cada vez mais, nas neuroses, rupturas com a dimensão fantasmática?

Referências bibliográficas

BAÝON, Alvarez Patricio. 11 formas de estar loco. Cuando el fantasma no funciona. In: CAMALY, G.; GLAZE, A. (Orgs.). La locura de cada uno. Olivos: Grama Ediciones, 2019.

MILLER, J. A. Del síntoma al fantasma. Y retorno. Ciudad Autonóma de Buenos Aires: Paidós, 2018.

NAPARSTEK, Fabián. Vociferar: Joyce el sintoma – Sade el fantasma. In: El fantasma, aún. Olivos: Grama Ediciones, 2018.

Notas

[1] Psicanalista, doutora em Estudos Psicanalíticos/UFMG, autora do livro Variantes da neurose tipo ou a defesa na atualidade da clínica psicanalítica. Belo Horizonte, Editora Scriptum, 2021.