Bibliografia
Un autre sens pour le corps: Le sixième sens
por Mariana Vidigal
Bassols (2000), em seu texto “Um outro sentido para o corpo”, toma a transmissão do filósofo catalão do século XIV, um místico medieval, Raymond Lulle, considerado o criador da língua catalã sobre uma “experiência da fala nos seus efeitos sobre o corpo, o que seria para ele o ponto de interseção entre as palavras e os corpos” (BASSOLS, 2000, p.46). Lulle propõe chamar de Affatus um sexto sentido que captaria a irrupção de um significante no real do corpo: o affatus fala ao sujeito por uma voz afônica e o convoca a “dar uma interpretação válida para restabelecer a ordem de um mundo sempre vacilante na consistência das significações” (BASSOLS, 2000, p.46).
Lulle testemunha a relação do sexto sentido com o corpo do Outro, “a palavra fala, Senhor, e diz o braço de Deus e os ouvidos e os olhos de Deus e as mãos e os pés de Deus” (LULLE apud BASSOLS (2000), p.48). Uma voz insensata que irrompe no encontro com o Outro radical e que convoca o sujeito a dar uma interpretação pela articulação de palavras, Lulle interpreta como um chamado do Deus Aimé.
Como explica Bassols, a ‘irrrupção do significante no real em um primeiro momento lógico – para Lulle trata-se do real do corpo -, resposta do sujeito, em um segundo tempo, para dar uma significação à irrupção deste significante sem sentido” (BASSOLS, 2000, p.47). Neste caso, um testemunho de um sujeito psicótico sobre o real delimitado pela estrutura da linguagem, tornando-se um “fundamento de uma teoria da palavra que não deixa de surpreender os linguistas e os teóricos da comunicação de hoje” (BASSOLS, 2000, p.46).
Lulle afirma ter recebido de seu Deus Aimé o método formal de uma linguagem, um sistema simbólico combinatório lógico e mecânico, designado como “A Arte de encontrar a verdade”. Esta obra foi considerada a mais rudimentar da linguagem informática e Lulle foi reconhecido por isso. O sistema gira em torno da letra A que faria a função, segundo Bassols (2000, p.48), de ponto de capitoné e de uma “suplência, no seu sinthome, a partir do qual ele se fará um nome como o verdadeiro Aimé de seu sistema delirante” (BASSOLS, 2000, p.48).
Vemos aqui como a irrupção de um significante que retorna do real que toca o corpo faz com que Lulle empreenda um enorme trabalho subjetivo de suplência e por meio de um artificio, seja pelo testemunho da experiência do Affatus, seja na construção da Arte e de seu sistema combinatório, pode fazer um laço que surpreende leitores até hoje, assim como Joyce o fez. Pergunto se poderíamos entender este affatus como acontecimento ou fenômeno de corpo? E esse modo de suplência como fazer-se um corpo?
Referência
BASSOLS, M. Un autre sens pour le corps: Le sixième sens. In: Revue de La cause Freudienne, n. 44. ECF, fev.2000.